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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

VESTIBULAR

A máquina surgiu no século XIX, mas o seu extraordinário poder pertence ao século XX, em que tudo passou a ser fabricado, inclusive menino. Natural, pois, que se montassem máquinas de fabricação de doutores, num país como o Brasil, em que o mercado de trabalho é muito escasso para o doutoramento.

O vestibular brasileiro tem sido uma farsa eloqüente. Nele não se verificam aptidões, mas a existência de vagas. Se a universidade possui mil vagas, pode aprovar mil candidatos e se fabricarão mil doutores, com certeza.

Já se provou que o sistema de preencher cagas é falível: o sistema dos testes. Durante meses, rapazes e moças andam pelas ruas, cadernos debaixo do braço, a fazer perguntas e mais perguntas, com o pensamento no exame aterrador:

- Quem descobriu o Brasil?

1) Foi você?

2) Foi Pedro Álvares Cabral?

3) Foi Pelé?

4) Ninguém até hoje descobriu o Brasil?

Neste ponto o candidato, se estava nervosíssimo da guerra psicológica do vestibular, fica doido. Lê duas vezes os quatro caminhos. E conclui, depois de muito suor: nunca descobri cousa alguma, logo não descobri o brasil. Mas alguém o descobriu. As perguntas 1 e 4 ficam exoneradas, portanto. Tenho certeza de que Pelé se encontra na história do futebol, jamais na dos descobrimentos. Resta Pedro Álvares Cabral. Xis nele.

Ainda vive o Brasil subservientemente com a exigência de inglês ou francês. Que necessidade tem o doutor de saber inglês ou francês? A própria universidade afirma que os dois são desnecessários, desde o instante em que confere ao candidato a prerrogativa da escolha entre uma e outra língua. Quer dizer: o futuro doutor, se quiser, prestará exame de inglês. Caso lhe dê na tela, desprezará o inglês e mostrará conhecimentos de francês. Assim, ou o inglês é reclamado pela formação intelectual do doutor, ou não, de acordo com a exclusiva vontade do candidato.

E por que não se exigem o alemão, o italiano, o russo, o holandês, o chinês?


A. Tito Filho, 14/07/1989, Jornal O Dia

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