Quer ler este texto em PDF?

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

LINGUAGEM

A mocidade, ao cabo de contas, está abandonada da família, da escola, da sociedade. As mães, fonte de afeto e carinho, espairecem nas praias, de biquíni, ou criam olheiras nas bancas de jogo madrugada alta. Os colégios, com mestres improvisados, decepcionam. A politicalha nefasta - origem de espertezas - o gozo dos bens materiais, a desvirtude de quase todos - eis os fatores de revolta dos moços, injustamente qualificados de "transviados" e que protestam contra o abandono moral em que os colocaram por através das cores berrantes das vestes, dos cabelos compridos, da dança frenética, da violência - como se estivessem a gritar por socorro, a pedir que novamente lhes fosse mostrado o caminho da tranqüilidade. Mais acertadamente poderia chamar-se "mocidade rebelada", pois o jovem rebela-se contra o desprezo da sociedade e passa a hostilizá-la, e hostiliza-a no pai, no mestre, no patrão, nas leis, símbolos da vida social - e hostiliza a inteligência,a  pátria, com a linguagem descontraída, de que se utiliza para mostrar, embora inconscientemente, que a vida não deve ser séria, nem digna, deve ser uma pilhéria, um deboche, uma pândega, um insulto, de que esse linguajar se torna veículo, intérprete, revelação.

Não somos contra a gíria. Temo-la como um processo de ironia das gentes, do corpo social, como que se batizam tipos, aspectos e episódios ridículos, como meio de caracterização mais forte dos objetos e das figuras. A gíria contém um bocado de sabedoria e de acuidade, um processo de aguçada inteligência para revelar relações entre conceitos: barbeiro (motorista ruim), bofe (mulher intragável), peixão (garota de corpo bonito), chato (impertinente), copa-e-cozinha (intimidade), padaria (nádegas) - e facilmente se descobre que tais denominações têm estreita conexão com os significados que passam a ter na fala do povo.

Por vezes a expressão de gíria se cria com o fim de suavizar ou ironizar os baixos da vida social ou circunstâncias que as boas maneiras determinaram a utilização de eufemismos: doença do peito (tuberculose), esticar as canelas (morrer), esperar um herdeiro (estar grávida). A gíria enrica a linguagem, confere-lhe tonalidades variadíssimas de expressividade.


A. Tito Filho, 16/08/1989, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário