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sábado, 20 de agosto de 2011

REMEMBRANÇA

Fabrício Area Leão, cultura humanística admirável e que já passou desta para vida pior, gostava de empregar REMEMBRANÇA, palavra com cheiro de velharia, com a mesma significação de LEMBRANÇA. Pois assim se deu para a escritura desta memória.

Sempre leio o "Jornal do Brasil" e me demoro na página do sarcástico Millôr Fernandes, em que vários autores assinam comentários de variado assunto. No último sábado, dia 8, topei com OS ENGENHEIROS NÃO SONHAM, de Hélio Ramos. Quem é Hélio Ramos?

No começo de 1964, embarquei de Teresina para o Rio num SKYMASTER, de hélices. Viagem enjoativa. O aparelho jogava mais do que traseiro de mulata. No tempo, esse tipo se conhecia como avião da fome, pois a gente se servia apenas de um cafezinho ralo e frio. Na antiga capital me hospedei no apartamento de meu primo José Fernandes do Rego, jornalista famoso e de idéias francamente marxistas. Gozava de bom prestígio político junto aos homens do governo. Na época tive oportunidade de presenciar, de longe, o imenso comício do dia 13 de março de 1964, uma sexta-feira, na praça da Central do Brasil. No palanque, João Goulart, a mulher Teresa e os corajosos partidários das urgentes reformas nacionais. Para 19 do mesmo mês estava marcada a convenção do antigo Partido Social Democrático, que lançaria, segunda vez, a candidatura Juscelino Kubstichek, à Presidência da República.

No apartamento de minha hospedagem fui apresentado ao deputado federal Hélio Ramos, engenheiro ilustre, pertencente ao PSD de Juscelino mas de idéias comunistas e não escondia a sua coloração. Meu primo me fez elogios no momento da apresentação, o que me valeu convite de Hélio para escrever o discurso que ele leria na reunião do PSD, uma fala severa de defesa dos postulados comunistas e de condenação do ranço conservador das velhas raposas políticas nacionais. Assim fiz. Palavras duras e pregação de uma nova ordem, com abolição de propriedade privada, reforma agrária radical, fechamento dos templos religiosos. No dia da convenção, Hélio foi vaiado, xingado, quase expulso do ambiente pelos comandantes partidários, entre os quais o nosso João Clímaco d'Almeida.

Hélio Ramos julgou-se vitorioso na sua eloqüente fala escrita por um humilde provinciano do Piauí. Ofereceu-me suculento almoço no freqüentado restaurante Parque Recreio, de bóia bem gostosa.

Rebentou o movimento militar de 31 de março de 1964. João Goulart deposto. Prisões e mais prisões. No meio dos primeiros punidos com a cassação do mandato e suspensão dos direitos políticos estava Hélio Ramos.

O meu discurso valeu-lhe o sacrifício do corte absurda da carreira política. Neste dia 8 de julho de 1989, mais de 25 anos depois do episódio, li artigo do engenheiro Hélio Ramos no jornal referido. Será que esse cidadão viajado, conhecedor dos problemas brasileiros, ainda se lembra do pequenino professor do Piauí?


A. Tito Filho, 11/07/1989, Jornal O Dia

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