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domingo, 31 de julho de 2011

"EU SEI ONDE ESTÁ O DINHEIRO"

A Academia Brasileira de Letras conferiu uma de suas poltronas a José Américo de Almeida, o paraibano cuja vida pública tem sido um grito angustiado pela felicidade do Brasil. Está de parabéns a Casa de Machado de Assis, chamando o seu seio um grande escritor.

Esse paraibano baixote, míope desde moço, encheu de compostura a vida nacional. Formou-se em Recife, em 1908, com os piauienses Simplício Mendes e Arimathéa Tito. Parece que chegou a residir com os dois na mesma "república" de estudantes; pelo menos é certo que foi companheiro de quarto de Arimathéa. Formado, José Américo achou fascinante a vida política, e nela ingressou. Ei-lo, em 1930, como um dos chefes civis do movimento revolucionário que derribou Washington Luís, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e entregou o governo da República a Getúlio Vargas, de quem foi ministro da Viação, um grande ministro, voltado para os graves problemas do Nordeste. Enfrentou a terrível seca de 1932. Impôs-se à admiração do país, pelo trabalho, pela sinceridade, pela inatacável honestidade.

O esforço gigantesco como ministro, a linguagem franca de que se utilizava para o debate dos problemas políticos e administrativos, os brados de revolta contra atraso da terra e a penúria do homem, a bravura com que desafiava os maus, a consagração do romancista de "A Bagaceira" - tudo isto lhe valeu imensa popularidade, na Paraíba como no Brasil.

"A Bagaceira" (romance) deu a José Américo uma posição invejável no cenário da literatura brasileira. Consentiu o autor em que o livro "é a tragédia da própria realidade". Livro violento, que agasalhou "almas semibárbaras pela violência dos instintos". O escritor interpreta essas almas sem artificialismo, nuamente, para não suprimir delas a grandeza: "Seria tirar-lhe a própria alma".

O livro semelha um protesto contra "a miséria maior do que morrer de fome no deserto" que "é não ter o que comer na terra de Canaã".

Romance do sofrimento do homem na terra escaldante - "A Bagaceira" também constitui um romance de amor, "concessão lírica ao clima e à raça", como diz José Américo - "problema de moralidade com o preconceito da vingança privada", da forma que ele define as paixões brutais do sertão.


A. Tito Filho, 04/08/1989, Jornal O Dia

AINDA POVOAMENTO

Barbosa Lima Sobrinho transcreve relatório oficial com o título Noções circunstanciadas sobre diversas aldeias e missões de índios que desde anos remotos existem na província das Alagoas.

O relatório citada fala nas nascenças do rio Puturig, ou dos Camarões, até onde se mete nos rios da Parnaíba Grande, Pequena, Satuba e Mundaú.

Adiante diz o relatório: "... e outra banda do dito rio Puturig ou dos Camarões e as outras três léguas da sua barra para aquele rio da Parnaíba abaixo..."

Argumenta Barbosa Lima Sobrinho que esse rio Paraíba é o mesmo "que existe, atualmente, em Alagoas", onde deságua na lagoa Manguaba. E acresce: "Não está indicado na demarcação que o rio Puturig ou dos Camarões fosse afluente do Paraíba. Ao contrário, ele é apontado como ponto de referência na confrontação pelo sul da sesmaria. A propriedade ficava no tabuleiro da Lagoa do Sul, ou Manguaba, regada dos rios nas nascenças do rio Puturig, ou dos Camarões, até onde se mete nos rios da Paraíba Grande, Pequena, Satuba e Mundaú, que fechavam pelo norte o referido tabuleiro".

Salienta ainda: "No rio São Miguel há um afluente que nasce na serra da Nicéia, proximidades da Borda do Mato, dentro do município de Atalaia, não muito longe do rio Parnaíba. Chama-se rio dos Camarões".

Alega ainda o provecto historiador que a sesmaria pedida pela viúva era desde as nascentes do dito rio Potingh, ou Camarões, até onde se mete naquele do Parnaíba abaixo na mesma largura.

E pergunta: "Seria, porém, aceitável que se demarcassem tais sesmarias no Poti, com os 600 quilômetros de extensão que tem esse afluente do Parnaíba?".

Argumenta ainda Barbosa Lima Sobrinho com o fato conjetural de que o título de Parnaíba ao rio piauiense começa a aplicar-se em fins do século XVII.

E adiante: "Não se conhece, porém, nenhum dado preciso de que ele tenha estado no Piauí antes de 1688, época em que se estabeleceu no arraial de Piranhas, no sertão paraibano, para a peleja contra o gentio revoltado".


A. Tito Filho, 04/04/1989, jornal O Dia

sábado, 30 de julho de 2011

CONCRETISMO

Afrânio Coutinho sustenta que a poesia concretista ou concretismo é "um movimento poético inspirado no concretismo pictórico, caracterizado pela redução da expressão a signos concretos, que visam à apresentação direta do objetivo pela organização dos elementos básicos da linguagem em representações gráficas".

Corresponde o concretismo ao experimentalismo formal, no dizer ainda de Afrânio Coutinho. O concretismo revela um esforço de aprofundamento visual do vocábulo, de isolamento dele em relação aos possíveis conteúdos.

O concretismo apareceu em 1956. Naturalmente foi mal recebido pelos gramáticos, uma vez que, quanto à expressão, essa corrente poética desarticula sentenças, frases e palavras.

Como todas as correntes literárias, o concretismo é de reação. Na história do modernismo brasileiro, os críticos distinguem três fases: a primeira, que vai de 1922 a 1930, batiza-se revolucionária, tanto na arte como na política. Seu objetivo está na demolição de uma ordem social fictícia, desligada da realidade brasileira - a demolição de uma arte e de uma literatura artificiais.

A segunda fase, de 1930 a 1945, substitui o caráter destruidor pela intenção construtiva - fase preocupada com o destino do homem e com as dores do mundo.

A terceira, iniciada em 1945, corresponde a um esforço de recuperação disciplinar, contenção emocional e severidade de linguagem.

Penso que o concretismo, que apareceu em 1956, reagiu contra esta última corrente.

Creio que o concretismo, reduzindo a expressão a sinais concretos, defende a preferência pela forma em detrimento do conteúdo - e nisto o concretismo buscou inspiração no simbolismo.

Parece que, como na pintura expressionista de Picasso, Gogh. Matisse, o princípio do concretismo está a insurreição expressional, pois o artista nada expressa, mas os próprios elementos se expressam a si mesmos.

A poesia concreta tende para o abstrato - daí interessar ao concretista a interrogação pessoal, feita pelo seu espírito, da realidade exterior. A inteligibilidade não se torna a característica do concretismo, pois é difícil ao leitor penetrar no mundo do poeta, nem sempre acessível à representação verbal. E por isto o concretismo mostra um esforço de aprofundamento visual do vocábulo.

Assinala Péricles Eugênio da Silva Ramos que Augusto de Campos, na revista Noigrandes, nº 3, tem um conjunto de ovos, e que o ovo foi uma das formas adotadas por Símias de Rodes.

Ao concretismo concede-se o que o Puttenham concedia aos pattern poems: "convinient solaces and recreations of man's wit".


A. Tito Filho, 04/03/1989, Jornal O Dia

sexta-feira, 29 de julho de 2011

AS FAZENDAS

O grande engenheiro piauiense Antônio José de Sampaio tornou-se arrendatário das Fazendas Nacionais do Piauí. Partiu para a Europa com a intenção de desenvolver a indústria pastoril no Estado. Adquiriu mecanismo moderno. Realizaria o sonho da fábrica de manteiga, queijo e de gelo. Haveria instalação de funilaria, serraria e aparelhos de uma estação meteorológica. Contratou técnicos para montar a aparelhagem e conduzí-la. Realizou ainda conversações para trazer ao Piauí quarenta famílias italianas.

"Vieram-lhe as surpresas" - salientou Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, seu correto biógrafo. "O transporte do material redundou em perigosa corrida de obstáculos a consumir energias, produzir canseiras, motivar retardamentos e provocar dispêndios imprevistos. A peleja teve de ser áspera e ininterrupta, desde o desembarque no porto de Floriano, onde não havia, sequer, um aparelho de suspensão, até a montagem. Foi preciso abrir estradas, construir pontes e pontilhões, desbastar rochas, escavar, movimentar e consolidar terrenos. Por fim, os edifícios se levantam, a água é captada e distribuída, as instalações se executam. As máquinas são postas em funcionamento, quebrando a monotonia daquelas paragens onde, antes, só o vento açoitava as folhas. A chaminé a atirar para o alto o seu penacho de fumaça, o vapor da caldeira a fazer vibrar o apito estridente a horas certas, a labuta dos currais, a atividade dos técnicos e auxiliares nas oficinas eram sinais de uma vida diferente que nascia rumorosa e promissora".

Chegaram as primeiras famílias italianas, que foram algo localizadas. "Mas - diz Luís Mendes Ribeiro Gonçalves - antes de se dedicarem ao trabalho efetivo, começam os reveses. Alguns dos colonos adoecem depois de comerem, desavisados, frutos silvestres venenosos, outros são acometidos de doenças tropicais, ainda outros, amedrontados, não se adaptam ao clima. Surgem reclamações e conseqüente cortejo de dificuldades. Há intervenções diplomáticas, repatriação de emigrantes com pesadas despesas imprevistas. O lamentável desastre iria servir de descrédito a outras tentativas".

Antônio José de Sampaio continua, porém, a lutar, mas contra ele se colocam os políticos, que se utilizam de pressões financeiras, como muito bem sustenta o seu dedicado biógrafo, acima citado, que acrescenta: "Atordoado, após trabalho dedicado e hercúleo, é obrigado a concordar com a encampação do contrato, transferido, sem demora, a políticos cobiçosos. E, desde então, tudo foi aos poucos se perdendo. Da opulência das antigas Fazendas Nacionais mostra-se hoje, no cenário vazio apenas o que construiu Sampaio e ficou, como ruína, exposto aos desgaste do tempo".

Pobre e desalentado Piauí.


A. Tito Filho, 03/10/1989, Jornal O Dia

quinta-feira, 28 de julho de 2011

OEIRAS - VI

Oeiras representa o mais importante centro cultural do Piauí, capitania e província que ninguém pode estudar nem compreender na ignorância do imenso patrimônio histórico e cívico da terra oeirense e dos que nela trabalham, viveram e vivem. No seu território começou a penetração dos vaqueiros corajosos, se edificaram os primeiros templos religiosos e as velhas casas estiveram povoadas pela liderança política, os donos de gado e da riqueza que as reses proporcionavam nas lonjuras do sertão baiano de Capuame, depois das cansativas marchas no lombo dos cavalos e das gostosas refeições de carne-seca, farinha e rapadura. O boi era dinheiro. Comprava-se com o dito quadrúpede o riscado, o morim, os enfeites e os vidros de cheiro feminino. Do animal tudo se aproveitava, o couro, a carne, ossos, fezes, chifres, e dos machos até o enorme membro de reprodução.

O Visconde da Parnaíba preenche capítulos dos mais expressivos da história de Oeiras. Com ele José Expedito de Carvalho Rego, poeta amigo que enriquece a literatura piauiense de poemas bem feitos de perícia e arte, escreveu a narrativa romanceada da vida desse homem em que as qualidades superavam os defeitos. Vaqueiro e Visconde é o titulo do livro em que o extraordinário dono de gato e presidente da província aparece de corpo inteiro, desde que nasceu nos territórios de Jaicós, vindo ao mundo pelas hábeis mãos da parteira de confiança ajudada de manteiga de nata nos canais respectivos de saída do menino robusto. Obra-prima verdadeira, empolgante, em todos os pormenores, o nobre piauiense, Manuel de Sousa Martins, e o seu tempo de prestígio, como lei viva da terra e dos homens, e as concubinas desse sujeito fogoso, a política plena de paixões, a sua casa residencial, onde recebeu em ceroulas, uma espécie de cueca até a batata da perna, o naturalista inglês George Gardner. Não esquece as melhores cenas familiares, nem o preparo do doce de limão, obra de ciência e arte das velhotas casadas nos tachos de cobre. As decisões corajosas do visconde, proclamador da independência do Piauí naquele crepúsculo matutino de 24 de janeiro de 1823. José Expedito Rego, simples, esquisito, sujeito de cara de poucos amigos, mas correto com os semelhantes, talvez não saiba que, no trabalho que escreveu, se revelou um dos melhores prosadores do Piauí, objetivo, real, com um poder de fixação de hábitos, costumes e tipos que espanta e se torna quase inacreditável. Expedito nasceu em Oeiras, para felicidade ambos.

Depois eu conto mais.


A. Tito Filho, 12/05/1989, Jornal O Dia

OEIRAS - V

Nas minhas andanças cívicas por Oeiras visitei palácios do arco-da-velha. Com os olhos imaginativos, vi os fantasmas de pessoas de outras luas, importantes na política e na riqueza do gado, passeando as salas assoalhadas, encoletados, nos dias grandes. Apreciavam em vida a cheiração de rapé. Nas banqueteações, serviam-se dez e vinte pratos diferentes, e comedores se empanturravam de tal forma que a gordura escorria pelos cantos da boa. Os arrotos formidáveis davam ideia das gostosuras. Era bom. As mulheres nas horas festivas tiravam as roupas ricas do baú, punham calças, anáguas, combinações, e o vestido comprido, que só dava para ver os sapatos, subido até o pescoço. Braços cobertos. Não se viam peitos nem traseiros, e até o melhor da lua-de-mel se fazia de lamparina apagada.

As lembranças me vinham à mente como se eu tivesse participado da história social de Oeiras. As visitas anuais à velha capital me proporcionavam também a alegria de conhecer figuras de carne e osso, como Possidônio Queiroz, uma espécie de consultório sobre assuntos diversos ligados aos primórdios da velha e sonolenta vila da Mocha. Humilde, honesto, estudioso. Feio como o diabo, por fora, mas por dentro existe o homem íntegro, inteligência cultivada, irmão do próximo, da forma que Deus quer. Se tem defeitos, guarda-os, recusa-se a importunar com eles o semelhante. Orador equilibrado, cada peça que pronuncia corresponde a lição verdadeira ilustrativa da alheia ignorância. Mesmo que doutor na arte da escritura da língua portuguesa, que ele sabe apurar sem ser ranzinza. Quando mete, numa manhã domingueira, a fatiota de brim branco para um discurso, fica até bonito, numa elegância de londrino da melhor elite intelectual. Sujeito que eu admiro e estimo. Faz anos lhe dou notícias por carta e ele me retribui com respostas que me fazem muito bem, umas frases boas de conforto e amizade. Possidônio de Queiroz existe, alma, coração, cérebro da sua terra e dos seus irmãos. Com ele, Oeiras existe ainda mais na grandeza espiritual dos seus filhos queridos. Depois eu conto mais.


A. Tito Filho, 11/05/1989, Jornal O Dia

OEIRAS - IV

Corre que os oeirenses não gostam de Jose Antônio Saraiva, o garotão baiano que passou os pés no pessoal da antiga Mocha e cantou a sede do governo do Piauí na Chapada do Corisco, uma fazenda de gado sujeita a raios e trovoadas, a futureira e boa Teresina das curicas e das pipiras, que eram cablocos de dar o que falar. Operárias domésticas e operárias da fábrica de tecidos, gostosas tanto, nas tipóias como nos jiraus.

Bons sujeitos os oeirenses, mas foi o jeito entregar os couros a Saraiva, perito na puxada de saco quando, para que lhe aprovassem o ato heróico, batizou a nova cidade com uns bonitos arranjos do nome da imperatriz Teresa Cristina, reinante na época.

Gosto dos oeirenses espoliados em favor do desenvolvimento da Província com a aproveitação do rio Parnaíba, caudaloso e cheio de cantiga dolente. Tenho a gente da Mocha em boa conta. Aprecio Leopoldo Portela, cidadão de inteligência aprimorada, orador e poeta sinceramente lírico. Era monsenhor católico de muita sabença, mas largou as vestes de saia, o latim, o missal para satisfazer os atrativos de moça bonita e educada. Entregou-se também ao magistério universitário.

Nos fins dos anos 70 e princípios da década de 80, Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior iniciou a obra de me catequizar para instantes cívicos de Oeiras, no mês de janeiro, quando os oeirenses não esquecem o visconde da Parnaíba, uma das muitas relíquias preciosos do passado da ex-capital, administrador, lutador, possuidor de gado, louco por amigação, com as mulatas bundudas dos seus territórios, que ele deglutia para a fabricação intensiva de molecotes bastardos.

Dagoberto Júnior escreve poemas de bom gosto. Poeta de quatro em quatro anos. Gosta mais de cheirar a história, papéis velhos, madeira pintada de antigos oratórios caseiros, imagens de santos, altares e retábulos. Conhece em profundidades becos, ruas e praças da sua cidade. Historiador e intérprete da história política e social do povo do sertão de dentro e do Piauí. Pesquisador plural. Sabe de padres e de bispos que pastorearam os recantos piauienses. Grande talento fundou o Instituto Histórico de Oeiras, entidade acreditada e aplaudida.

Oeiras tem ajudado com muita peça a boa vida cultural da terra e do povo do Piauí.


A. Tito Filho, 10/05/1989, Jornal O Dia 

OEIRAS - III

Fui a Oeiras, numa quarta viagem, ao tempo em que exerci o cargo de Secretário da Educação, em 1970. Conheci gente prestigiosa e ilustre. Fiz o que estava a meu alcance em benefício da comunidade no setor educacional.

Ainda estudante, no Rio, tive saudosa convivência com Raimundo José do Nascimento, conhecido pelo apelido de Panta, irmão de outra raça. Coração de bondade. Agora reside em Fortaleza e quando me visita nesta Teresina me traz um abração acompanhado de bom livro. Não esqueci da velha amizade de Nantilde Sá Melo, oeirense ilustrada e culta, professora dedicada no Colégio Estadual do Piauí no tempo em que dirigi o educandário.

Ao retornar do Rio, depois de cinco anos de estudos, a meu lar teresinense, anos de 1947, janeiro, uns três meses depois estava eu de namoro e quase noivado com uma loirinha de Oeiras, graça, sonho, embevecimento dos meus vinte e poucos anos. Ainda hoje não sei quem lucrou e quem perdeu na desmantelação do futuro casório. Sei bem que passamos os dois uns tempos saudosos e sem alegria.

No governo Helvídio Nunes, de 1966 até final em maio de 1970, a Secretaria da Educação teve o titular Balduíno Barbosa de Deus, de imensos recursos de inteligência, ainda embatinado. Era padre católico, orador de palavra fácil e arrebatadora. Culto. Poeta de valor. Mandou fazer concurso digno para o magistério secundário, fato que me fez seu admirador. Dizem que nesse tempo o cidadão ilustre tinha namorada, a sua secretária, moça de raros predicados morais, depois esposa de grande dedicação. Substituí Balduíno na Secretaria.

Acho que no fim da década de 70 para o início dos anos 80 retornei de visita à antiga e hospitaleira ex-capital do Piauí. Depois eu conto a história.


A. Tito Filho, 09/05/1989, Jornal O Dia

OEIRAS - II

Conheci Oeiras na década de 40, quando, por terra, me dirigia ao Rio, para estudos. Novinho em folha. Nada eu sabia sobre a história desse cenário histórico onde o Piauí nasceu para a vida política e social. Também nos estudos secundários nada me tinham ensinado. Os professores nunca falaram do Visconde da Parnaíba, Fidié, dia 24 de janeiro e tantos fatos passados na antiga capital. Em 1947, passei por Oeiras. Vinha do Rio, em companhia de Tibério Nunes, que ficou na cidade, Fenelon Silva, Álvaro Ferreira filho e Mariano Mendes, que comigo prosseguiram viagem [no] rumo de Teresina. Era tempo da empolgante campanha de Rocha Furtado como candidato ao governo do Piauí. Em dois anos de residência na capital do Ceará, tornei-me amigo de Antônio Santana, oeirense, mais velho do que eu, a quem em afeiçoei. Magnífico caráter. Generoso. Boníssimo. Inteligente e criterioso. Nas pensões estudantis do Rio de Janeiro, aprendi a admirar três oeirenses de cuja amizade me honrei e honro, jovens leais, companheiros de convívio decente e correto: Tibério Nunes, Petrarca Sá, mortos queridos, e o de nome Luiz Walmor Barbosa de Carvalho, que para mim não possui defeito. Sempre na vida me orgulhei das merecidas vitórias dos três. Retornei a Oeiras em 1950, na companhia do candidato a deputado federal Vitorino Correia. Conversei com o impoluto Pedro Sá e o notável líder Rocha Neto. Na Constituinte piauiense de 1947 conheci dois oeirenses de valor como cidadãos de vergonha, Orlando Carvalho e Miguel Oliveira. Quando Secretário da Educação do Piauí, nos idos de 1970, conheci uma mulher ilustrada, competente, de rara capacidade de trabalho, que muito me ajudou e a quem dedico admiração e afeto, chamada Rita de Cássia Campos, irmã de um poeta que tanto alteou a poesia oeirense. Depois eu conto mais. Oeiras para mim vale um chão bonito, e a sua gente deve orgulhar-se da terra de nascimento.


A. Tito Filho, 06/05/1989, Jornal O Dia

OEIRAS - I

O território de Oeiras pertenceu a Pernambuco, mais precisamente à paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Rodelas, ou Cabrobó. Aí se levantou a capela sob invocação de Nossa Senhora da Vitória, cuja sede estava na povoação que nascia conhecida pelo nome de Mocha. Era o ano de 1697. A instalação da vila deu-se em 1717. Ano de 1733 fundou-se a matriz de Nossa Senhora da Vitória, a primeira igreja regular do Piauí, para o que se demoliu a velha capela do arraial ou fazenda Cabrobó. Em 1761 Mocha tomou o nome de Oeiras, em homenagem ao conde do mesmo nome, depois marquês de Pombal. Em 1762 passou a cidade e capital da capitania. Nela residiram e administraram os governadores nomeados por Portugal. O primeiro governo independente se estabeleceu a 24 de janeiro de 1823, com o Piauí-Província e a longa administração do Visconde de Parnaíba. Em 1835, funcionou a primeira Assembléia Legislativa. Capital da Província até 1852, com a fundação de Teresina.

Berço de ilustres figuras políticas do Império. Parlamentares e jornalistas de nomeada participaram da sua história. Nas letras oeirenses, enalteceram a vida intelectual do Piauí vultos como Clodoaldo Freitas, Pedro Brito, Nogueira Tapety, Leopoldo Ferreira, Benjamin Batista, Vidal de Freitas, Bugyja Brito, Possidônio Queiroz. Entre os novos contam-se Petrarca Sá, O. G. Rego de Carvalho, Balduíno Barbosa de Deus, José Expedito Rego, Dagoberto Júnior, Pedro Ferrer, Alvina Gameiro.

Já escrevi que em Oeiras se passaram os episódios primeiros da vida social e política do Piauí. Por ela começou a saga do desbravamento. Berço da religião católica em terras piauienses. Cheira a passado. Relíquia de civismo. Recolhe também a memória dos amores madrugadinos do seu maior reprodutor, o patriota Manuel de Sousa Martins, tangedor e dono de gado, de vastos cabedais, experiência e sabedoria. Sertão bruto, de chão glorioso, onde jazem heróis verdadeiros. A cidade vale uma peça lírica do passado, nascida nos sertões de dentro, coma bravura de supostos vácuos sem fim e solidões insolentes. Monumento nacional, guarda perenemente as tradições do Piauí.


A. Tito Filho, 05/05/1989, Jornal O Dia

quarta-feira, 27 de julho de 2011

OSCAR WILDE

Wilde descobriu a mentira escondida como princípio moral dos homens. Procurou mostrar que a sua sociedade, que a sociedade do dinheiro, praticava todos os vícios e todas misérias e maldades, sob capa de regras morais exteriores. Wilde praticava o homossexualismo às claras, ao contrário de muitos. Defendia a preguiça e glorificava o vício - e praticava este último abertamente, fugindo è regra geral dos que o praticavam às escondidas. Desafiava a sociedade: "Assim (como eu) é que realmente sois vós, ao menos, temos a coragem de viver às claras".

Mostrando na sua própria pessoa a personalidade do homem na vida social, Wilde combateu a sociedade. A sua teoria era: a vida segue a arte, isto é, o artista revela a sociedade, ainda que a sociedade se esconda na hipocrisia. Os tipos criminosos sempre existiram, mas não estavam revelados. Shakespeare mostrou-os, em impecável obra de arte, antes que a vida os conhecesse. A vida segue a arte, isto é, a vida social pratica às escondidas aquilo que o artista revela.

Em O Retrato de Dorian Grey, Wilde revelou-se, revelando o lado noturno da sua existência. Wilde voltou. Está vivo. O seu esteticismo foi a revolta contra uma época - a época, segundo Carpeaux, que ameaçava a existência da arte e do artista. Afirmando a revalorização de Wilde, Carpeaux pergunta como se explica essa revalorização. "Desaparecimento dos preconceitos contra o escritor homossexual denunciador do vício em sociedade? O gosto literário de hoje está distante do gosto literário do tempo de Wilde. Não pode Wilde ser admirado hoje pelos processos estilísticos de que se utilizou. Mas a sua obra apresenta problemas atuais e inelutáveis". Carpeaux acrescenta: "Wilde voltou a ser nosso companheiro na luta pela autonomia espiritual do indivíduo; e, nesse sentido, muitas linhas suas continuam atuais e preciosas".


A. Tito Filho, 05/02/1989, Jornal O Dia

segunda-feira, 25 de julho de 2011

OS LIVROS DE MATIAS

Teresina inaugurou biblioteca pública ainda no tempo do regime imperial. Como tudo que presta, nesta terra, esse beneficio coletivo logo se sumia talvez por falta de leitores, numa época em que era pouco o interesse por cousas de literatura. No tempo da sua melhor atividade, Anísio Brito organizou a biblioteca estadual, instalada justamente com o arquivo e o museu no prédio cujo nome homenageia esse admirável historiador e homem público. Dava gosto que a gente estudasse nas salas das estantes cheias de livros bem catalogados. Muito li nesse ambiente convidativo. Com o correr dos anos, os livros se transportaram para outro local, o antigo Grupo Abdias Neves, onde funcionaram o Liceu Piauiense e a extinta Faculdade de Direito do Piauí, e nele se instalou a Biblioteca Cronwell de Carvalho, mantida pelo governo estadual.

Desconheço os rumos que tomaram as obras pertencentes a Simplício Mendes, a Esmaragdo de Freitas, a Higino Cunha, a Martins Napoleão e muitas outras nobres figuras da vida cultural desta terra. Salvei as obras jurídicas e literárias de meu pai. Parece-me que me evaporou a rica biblioteca da antiga Escola Normal, especializada em assuntos educacionais.

Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves manteve comigo, desde os idos de 1974 até perto de morrer, correspondência de grande mérito. Em 1983, manifestou-me a vontade de doar os seus livros técnicos à Universidade Federal do Piauí e os livros de ciências sociais e literatura a Academia Piauiense de Letras. Fiquei satisfeito com a atitude do grande confrade. Faleceu em 1984. Só uns dois anos depois os livros chegaram. Estragados pela umidade. Sujos. Encontravam-se sob cruel desprezo em dependência de apartamento no Rio. Uma tristeza. Ainda assim aproveitei pelo menos um terço dos exemplares.

Os livros de Odilon Nunes, preciosos, doados à casa de Odilon Nunes de Amarante causam dó, segundo me contou o insigne mestre.

Recentemente distinta jornalista me deu a notícia desoladora: os livros de Matias Olímpio, ex-governador, ex-senador do Piauí, jazem num recanto da Biblioteca Cronwell Carvalho, sem cuidado, sob caloroso desprezo.

Assim, não. A Academia os recebe, encaderna-os e lhe dá agasalho condigno. Caso queiram.


A. Tito Filho, 18/03/1989, Jornal O Dia

A CUSTÓDIA

Clementino Moura, expressão intelectual festejada, escreveu sobre a Custódia de Oeiras:

"Durante o tempo em que estudei em Teresina, fazendo o meu curso ginasial, no Liceu Piauiense, passava as férias de fim do ano em Oeiras, minha terra natal, com os parentes.

Por ocasião de uma dessas férias, em dezembro de 1925, transitou pela antiga capital um destacamento da Coluna Prestes, comandado pelo Tenente Siqueira Campos, um dos heróis do Forte de Copacabana. Na Coluna, ele tinha o posto de Tte. Cel. Com a aproximação da Coluna e ante as declarações do Governo de que a mesma saqueava por onde passava, o pároco de Oeiras, Padre Silva, escondeu-se, fora da cidade, levando a valiosa Custódia da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, padroeira da cidade. A bonita Custódia pesa sete quilos de ouro contém vinte brilhantes do tamanho de um grão de milho, obra da mais fina ourivesaria portuguesa. Foi doada por um devoto à Irmandade do santíssimo Sacramento.

Pelo seu valor e pela sua beleza, sabe-se que já foi roubada, 2 vezes, sendo, felizmente, encontrada. A primeira foi no século passado, ao tempo em que governava a Província o Visconde da Parnaíba, Manoel de Sousa Martins, tendo sido encontrada a 10 léguas da cidade, perto da fazenda Boqueirão, por um vaqueiro, dentro de um saco, ao lado de um homem que agonizava, de disenteria. De outra feita, conta-se que o ladrão, ao descer uma pequena elevação nas proximidades do rio Canindé, perto da cidade, caíu do cavalo, fraturando o osso da coxa, sem possibilidade de locomover-se. Em ambos os casos, o fato foi considerado pelos habitantes, na sua maioria, católicos, como milagre.

Chegando a Coluna Prestes a Oeiras, o Tenente Siqueira Campos manifestou o desejo de ver a Custódia, cuja fama já era do seu conhecimento. Houve um alvoroço muito grande na cidade, em face da ameaça do mesmo, homem temperamental que era, de arrombar a igreja quando soube do da fuga do Padre Silva. Localizado este, negou-se peremptoriamente, a mostrar a Custódia. Houve intervenção do Prefeito e do juiz de Direito que convenceram, afinal, o Padre a trazê-la de volta à cidade. A igreja foi aberta, a Custódia recolocada no seu lugar, no altar-mór e mostrada aos oficiais e soldados, pacificamente. Era subcomandante da Coluna no posto de Major, o Tenente Ari Salgado Freire. Muito católico, rezou e de um óbulo para a igreja. Ao manifestar-lhe, nos meus 16 anos, simpatia pelo idealismo dos revolucionários, ofertou-me um retrato de todo o Estado-Maior da Coluna Prestes, retrato que conservo no meu arquivo, como recordação desses jovens tenentes que tanto lutaram pela Pátria, percorrendo o país de sul a norte, em busca de melhores dias para o nosso Brasil.

Nos dias atuais, marcados pela onda de assaltos, ninguém sabe onde é guardada a preciosa obra de arte que é a Custódia de Oeiras. Só se sabe é que está em lugar muito seguro".


A. Tito Filho, 03/07/1989, Jornal O Dia

domingo, 24 de julho de 2011

PEDRO OUTRA VEZ

Pedro Brito largou o seminário por causa do namoro com uma jovem prendada - Evangelina - e ela seria o mais intenso alimento de sua vida, espiritual, e fixou-se na defeituosa Teresina, no instante em que o patriarcado começava a sua longa caminhada para o desaparecimento e novas idéias surgiam contra o conservadorismo. Principia, então, a atividade jornalística, da qual nunca mais se ausentou. Adere ao romantismo do amor platônico com atrizes de outras terras que se exibiam no Teatro 4 de Setembro, centro da atividade artística da capital piauiense. Casa-se sem emprego em 1906. Vive de mesada paterna. Mas acredita na própria coragem.

Tenta Fortaleza, na preocupação de um curso jurídico. Derrotam-no as dificuldades financeiras. Retorna a Teresina. Ajuda-o Higino Cunha, advogado e intelectual. Aufere os primeiros lucros de trabalho. Realiza a vontade: torna-se advogado sem anel, provisionado.

Pertence agora à cidade moleque, esta inigualável Teresina, que nunca suportou a empáfia, a vaidade balofa, a nobreza insossa, a falsa fidalguia ociosa das reuniões e festinhas rococós. Na colméia humana, hora por hora, o povo repudia o que se empanturram do prestígio da importância familiar. Uma beleza a Teresina da classe média e dos humildes, justamente os que a fazem atraente e querida. Pedro entendeu a cidade e a ela incorporou-se, espancando a politicalha, a ignorância, a incompetência, o compromisso alheio com a roubalheira.


A. Tito Filho, 15/01/1989, Jornal O Dia

AINDA PEDRO

Na história humana do Piauí raras vezes se situa um homem da natureza de Pedro Britto. Erram os que enxergam maldade na poesia, satírica com que ele deliciou o povo. Raras, raríssimas ocasiões, nesses versos criticou pessoas. As quadras ferinas do poeta castigavam e ridicularizavam vícios e costumes das cidades mortas do interior do Estado e para tanto se serviu da jocosidade e do sarcasmo.

Ao lirismo doce e suave transmitiu as melhores impressões do seu espírito. Utilizou-se de fatos afetivos - alegria, amor, saudade. A morte de uma das filhas inspirou-lhe três elegias, de profundos sentimentos tristes. Fez versos descritivos, bucólicos, delicados, enaltecendo os encantos da vida campestre e pintando cenas da natureza dadivosa.

Pedro combateu o bom combate. Desconheceu o medo. Enfrentou a perversidade dos fracos. Teve vitórias e triunfos que só aos fortes se concedem.

Sustentamos que ele foi superior ao meio em que viveu um meio de intrujices, afilhadismo, a ignorância como mérito, a acomodação dos caracteres, o prestígio das falsas fidalguias familiares, que mandavam e desmandavam na política, na justiça, nas assembléias; o dinheiro corruptor de atitudes, e caprichismo, bajulação - e nada Pedro se submeteu, a nada se amoldou ou se adaptou. Antes, dirigiu protestos contra todas as formas de enodoar.

Viveu o seu tempo, como exceção. Deveria ter nascido noutro século, para que não padecesse as tentativas de violência dos homens aos quais ele ensinou o bem maravilhoso da coragem de lutar por idéias e por princípios.


A. Tito Filho, 18/01/1989, Jornal O Dia

sábado, 23 de julho de 2011

SERIEDADE

Era bom. Conheci os anos trinta de Teresina e deles guardo queridas recordações. Tempos sérios. As famílias viviam nos lares verdadeiros, nos quais predominavam afeto e reciprocidade de alegrias e sacrifícios. Os homens trabalhavam de manhã e de tarde. As mulheres cuidavam da criançada, da roupa, dos remédios e dirigiam a culinária. Noites aprazíveis, reuniam-se pais, mães e filhos na roda da calçada em palestra alegre com as visitas. Servia-se o cafezinho e às vezes se tomava um bom refresco. Meninos e meninas tinham estudos matutinos e vespertinos. Rapazes e moças freqüentavam a bem cuidada praça Rio Branco, de árvores enormes, para passeios e namoros. Nos domingos, descanso geral, cinema familiar concorridíssimo. A primeira obrigação dominical estava na missa. Era uma sociedade sem assaltos, sem violências, sem ladrões de colarinho branco, sem exploração. Parece que todos compunham uma única classe social, classe média. Inexistiam ricos. Baixíssimo custo de vida. Era bom. Época em que a gente pedia bênção aos pais e aos padres.

Seriedade constituía o toque especial da existência. As autoridades trabalhavam de sol a sol. Funcionalismo no batente em dois expedientes. As solenidades cívicas e literárias recebiam apoio generalizado, inclusive do mundo oficial, o interventor Leônidas Melo sempre presente. Lembro-me da homenagem ao centenário de Davi Caldas, em 1936, no auditório da Escola Normal. Salão repleto. Notáveis oradores arrancavam palmas constantes. As conferências de Higino Cunha no Theatro 4 de Setembro e as de Celso Pinheiro no Clube dos Diários mereceriam manifestações populares entusiásticas. Aos domingos verificavam-se recitativos de poetas e execuções musicais e cantorias de artistas da terra na principal casa de espetáculos de Teresina. Gente muita por todos os lugares.

Hoje Teresina vive de futilidades. Só se vê gente em coquetel, desfile de gueis e uiscadas. Sinal dos tempos. Sinal, sobretudo, da nociva riqueza mal ganha de alguns.


A. Tito Filho, 23/07/1989, Jornal O Dia

sexta-feira, 22 de julho de 2011

ELEIÇÕES

No calendário já vigora o mês de dezembro, e o brasileiro está distanciado por pequeno espaço de tempo das eleições presidenciais de 17 de dezembro. Dentro em poucos dias, pois, o cidadão escolherá o novo presidente da República. De 1945 a 1989 o povo pôde apenas quatro vezes confiar num mandatário, e o fez elegendo Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. É insuportável que de vez em quando a história do Brasil recolha a dureza das ditaduras, nascidas das ambições personalistas e que se sustentam de violências e corrupção. Assim se fez de 1930 a 1945, com um pequeno intervalo, e de 1946 a 1989 - governos sem a sacramentação do voto, ilegítimos e que grandes males impuseram à nação. O movimento dito revolucionário, em cujo nome se efetuou a deposição de Washington Luís, foi financiado pelos Estados Unidos, que fez desta terra de Santa Cruz a sua melhor colônia. Liquidou-se a moeda forte, o mil-réis. Mudaram-se os hábitos alimentares da elite, com o cachorro-quente e de modo geral os enlatados, saídos dos trustes norte-americanos estabelecidos no país. Transformou-se o vestuário e ainda hoje os empórios de roupas feitas exploram o brasileiro. A propaganda do cinema endeusava artistas dos Estados Unidos. formou-se a publicidade da mulher nua e o corpo nu da mulher passou a marca de sabonete e outros objetos. Estabeleceu-se a indústria do turismo. Viver bem estava no apartamento, e começou a civilização do arranha-céu e do elevador. Surgiram as megalópoles, que atraiu o pobre diabo do campo para a fome e a miséria nas grandes cidades. A especulação imobiliária enriqueceu milhares. Se morriam as atividades rurais por falta de amparo, surgia o empresariado, classe de novos ricos e de força política.

Os candidatos prometem solucionar problemas rançosos que se arrastam e cada vez mais tornam desesperadores. A inflação, iniciada após, 1930, teve índices insuportáveis a partir da construção de Brasília, quando o endividamento interno assumiu proporções consideráveis e recorreu-se a empréstimos junto a banqueiros internacionais. Desse tempo começa a falência do ensino público, com o abandono das escolas oficiais. O Brasil dos dias de hoje enfrenta males incontáveis, como o êxodo rural, a favelização das cidades, a falta de habitação, a doença, a miséria, os baixíssimos salários, a inchação do funcionalismo, a fome endêmica e epidêmica - males que só podem consertar com o saneamento da moeda, extinguindo-se as dívidas de caráter interno e externo.

É bem de ver que o Brasil está dividido em duas classes: a dos ricos e as dos pobres. Aos primeiros nada falta: luxo, esplendor, dinheiro, exploração do homem pelo homem, através dos raquíticos salários mínimos. As elites desperdiçam. Gastam em recepções e festas magnificantes. Dia por dia o colunismo social registra os exuberantes gastos com vestidos caríssimos, mesas de bebidas e comidas fartas, nas comemorações de natalícios, casamentos, debutações. Cada festança requintada custa milhares ou milhões de cruzados, verdadeira afronta à coorte dos famintos e maltrapilhos de que se deve envergonhar a nação. A vastidão nacional semelha uma banca de jogo de vários tipos, oficialmente organizada. Os banqueiros auferem juros exorbitantes. Não se despreze o arsenal químico dos laboratórios farmacêuticos para a minoração das aflições de uma sociedade rica, mas angustiada, pois o ócio e a futilidade inutilizam espiritualmente as pessoas.

Se os endinheirados desperdiçam fortunas no supérfluo, os pobres mais sofrem em busca de alcançar, por qualquer forma, a falsa felicidade dos outros, e haja prestações, ou a violência contra a propriedade e contra a vida.

Grande, assim, a tarefa do novo presidente: sanear a moeda para o equilíbrio social.


A. Tito Filho, 03/12/1989, Jornal O Dia

quinta-feira, 21 de julho de 2011

ANTOLOGIA

Faz algum tempo, o titular da cadeira 5 da Academia Piauiense de Letras, José Miguel de Matos, escolheu um punhado de poetas brasileiros, quase todos nascidos no Piauí, biografou-os e analisou-lhes a poesia. Editou o trabalho em dois ou três volumes, com o título de CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE, que a crítica recebeu com aplausos. Na verdade, a obra constitui rica fonte de consulta para o levantamento da trajetória literária sobretudo nos domínios da nossa poesia. Nos primeiros anos da década de 70, o autor reuniu somente os nascidos nesta terra e fez-se primorosa reedição no Rio de Janeiro, agora denominada ANTOLOGIA POÉTICA PIAUIENSE, desfalcada, pois, dos manuais de outras paisagens geográficas. A boa tiragem esgotou-se depressa, dada a valiosa expressão dos estudos feitos, tanto de natureza estética como educativa.

A Academia Piauiense de Letras deliberou publicar um livro de cada acadêmico que assim desejasse e José Miguel de Matos numa atitude certa, indicou a ANTOLOGIA para nova edição, ampliada e atualizada, pois algumas das figuras, nestes últimos dezessete anos, escreveram mais livros e deram contribuição mais importante à nossa literatura. Assim, o escritor fez novas e úteis e valiosas observações sobre os melhores criadores da poesia piauiense.

Deu-se também a circunstância elogiável da inclusão de Manoel Felício Pinto entre os que compuseram bons versos. Recentemente falecido, mereceu ter a memória ilustre prestigiada pelo livro de José Miguel de Matos, que brevemente será confiado ao público ledor.


A. Tito Filho, 28/02/1989, Jornal O Dia

A BATALHA

Foi das mais sangrentas a batalha do Jenipapo, às margens do rio do mesmo nome, em Campo Maior, dia 13/3/1823. Embora vitorioso, Fidié viu-se obrigado a seguir para Caxias, baluarte português. Três meses o comandante português resistiu ao cerco de seis mil brasileiros, comandados por Filgueiras e Sousa Martins: “Resisti - diz ele - até o último apuro, tirando do campo inimigo, a ponta da baioneta, os víveres, precisos para sustentar a minha tropa, cheia de fadiga”. Manuel de Sousa Martins havia proibido gado para o Maranhão.

A Independência no Piauí e no Maranhão - salientou Hermínio Condé - é uma epopéia que não encontra similar em qualquer das campanhas emancipadoras dos povos americanos.

Em 1973, o governador Alberto Silva homenageou, com as forças armadas, no local do combate do Jenipapo, a memória dos que ali se sacrificaram, 150 anos atrás. No seu discurso, lembrou o governante a lição correta: “Fidié fora mandado ao Brasil para compor, com os outros militares portugueses destacados no norte, o dispositivo que garantiria a Portugal o domínio de tão vasta porção do território brasileiro. Dominadas pelos portugueses as fazendas de criar do Piauí, estariam igualmente privados as demais províncias. É fácil entender a importância, para a coroa portuguesa, de fazer abortar, ou de esmagar a ferro e fogo o movimento dos independentes no norte do país, onde quer que se manifestasse”.

A respeito da batalha do Jenipapo manifestou o governador que nela “os nossos ancestrais, lutando, sofrendo e morrendo, decretaram e selaram definitivamente a derrota das armas e das ambições portuguesas, em relação ao norte do Brasil”.

É necessário lembrar que no sul a independência foi aplausos e festas. No norte, fome e sangue. A batalha do Jenipapo decidiu a unidade brasileira.


A. Tito Filho, 10/04/1989, Jornal O Dia

quarta-feira, 20 de julho de 2011

TAUMATURGO

Quando meu pai, José de Arimathéa Tito, no distante 1922, para integrar o quadro da Academia Piauiense de Letras, escolheu como patrono da sua cadeira 29, GREGÓRIO TAUMATURGO DE AZEVEDO, nascido, como ele, na terrinha de Barras no Piauí. Esse cidadão ilustre veio ao mundo em 1853 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1921. Foi doutor em matemáticas e ciências físicas, engenheiro militar e bacharel pela Faculdade de direito do Recife.

Comendador da Ordem da Rosa e de Cristo, cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, dos Institutos históricos de Pernambuco, Alagoas, Santa Catarina, Ceará, Bahia, Paraíba e Piauí.

Da Associação da Imprensa de Santiago do Chile, da Associação dos Advogados de Lisboa, do Ateneu de Guatemala, da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris, da Sociedade Nacional da Cruz Vermelha cubana.

Governador do Piauí e do Amazonas, fundador e presidente da Cruz Vermelha Brasileira, fundador da cidade de Cruzeiro do Sul (Acre), comandante da Região Militar da Bahia e da Brigada Policial do Rio de Janeiro.

Medalha de Ouro do Brasil e da Venezuela.

Entre outros trabalhos publicou:

- "Representação ao Poder Legislativo contra o ex-ministro da guerra, Joaquim Delfino da Cruz" (1888)

- "Discurso na ocasião da pedra fundamental do novo prédio da Faculdade do Recife" (1889)

- "Mensagem ao comércio amazonense" (1891)

Em Gregório havia o homem de muito saber, virtuoso e probo, que não desertou, em circunstância alguma, o cumprimento do dever.

Taumaturgo de Azevedo padeceu muitas injustiças da política, tanto no governo do Piauí como do Amazonas, mas esteve sempre de cabeça erguida. No primeiro centenário do seu nascimento, em 1953, lhe foram atribuidas, em Teresina, merecidas homenagnes.


A. Tito Filho, 05/10/1989, Jornal O Dia

CARNAVAIS ANTIGOS

1925. Novamente foi fundado o Clube dos Fenianos, que ofereceu bailes animados e para cujo quadro de sócios foram propostos e aceitos Martins Napoleão, Antônio Chaves, Artur Oliveira, Álvaro Freire, Vieira da Cunha, Aarão Parentes, Anfrísio Lobão, Cristino Castelo Branco, César Rego, Deoclécio Brito, Heráclito Sousa, Honório Parentes, Leopoldo Cunha, Miguel Rosa, Ney Ferraz, Pedro Silva, Napoleão Teixeira, Zoroastro Melo, Crisipo Aguiar, Joaquim Noronha, Jarbas Martins, Augusto Resende, Artur Frazão, Moysés Castelo Branco Filho, João Pinheiro.

Vibrantes Os Democratas e o Bloco da Folia.

Domingo verdadeiro delírio. Banda de clarins da Polícia Militar tocou alvorada em frente ao Clube dos Diários. Os foliões saíam pelas ruas, em visita a casa dos amigos. Exibiu-se o travesti Humberto. O Petit Clube deu baile toda a tarde de domingo, na sua sede, situada na praça Rio Branco, logradouro em que se verificaram intensas batalhas de lança-perfume e confete. As 17 horas, corso de automóveis, da praça Rio Branco a praça Deodoro, usando-se serpentina, lança-perfume e confete. Músicas mais tocadas: sambas, tangos e maxixes. Do corso, participaram dois caminhões: um lindamente enfeitado, conduzia senhoras, senhoritas e cavalheiros; o outro levava orquestra. Jônatas Batista improvisava versos num automóvel. Muito luxo nos bailes do Clube dos Diários. Os Fanfarrões ofereceram baile na Assembléia Legislativa na recepção ao presidente Vieira da Cunha, chegado do Rio de Janeiro. Saudação feita por Mário Batista.


A. Tito Filho, 03/02/1989, Jornal O Dia

A BOA TERESINA

Vejo-a sem as pracinhas de donzelas faceiras, que rodavam num sentido, os gajos em sentido contrário, no fascinante namoro de olhos... No cinema, o casal se dava o gosto de bolinação... Namoro de mão nos peitinhos arrebitados.

Vejo-a sem o símbolo que foi a Maria Preá, mulata boa de cama, com estudante de bolso vazio ou desempregado de prestígio firmado.

Hoje, vejo-a urbanizada de pombais, ou casinholas habitadas do êxodo interiorano; povoada de veados de luxo ou simples viciados na inversão dos locais do prazer; vejo-a na falsa convivência dos coquetéis das uiscadas e das festas de caridade; vejo-a no comércio com o nascimento de Jesus e com as mães, merecedoras pelo menos de um pouco de respeito; vejo-a despudorada, meninas ricas sem roupa, por deboche, meninas pobres do mesmo jeito, por miséria. Vejo-a uma imensa putaria de homens e mulheres, com as devidas exceções; vejo-a violenta, estúpida, deseducada - milhares tipo debaixo-da-ponte, alguns felizardos da vida ociosa à custa de golpes e falcatruas e outros tantos no repasto oficial da República sem freios.

Vejo-a sem futuro, sem esperança, mas ainda creio no resto de otimismo que me sustenta os olhos sofridos da saudade dos tempos que não voltam mais...


A. Tito Filho, 03/01/1989, Jornal O Dia

terça-feira, 19 de julho de 2011

AINDA O MESTRE

Escoam-se os anos. Vejo-me na presidência da Academia Piauiense de Letras. Inicio o esforço de convivência com os confrades - com os de Teresina e com os residentes noutras paisagens brasileiras. Um dos que mais me aplaudiram o trabalho e os objetivos, no Rio, foi Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves - e entre nós se desenvolveu, anos fora, uma correspondência fraterna, amiga, plena de lições utilíssimas por parte desse homem ímpar ao discípulo fincado de corpo e alma no chão piauiense. Quanto aprendi nas suas cartas sempre fiéis nos depoimentos, escritas sem feito, ao correr da pena, educadas como se espelhassem a própria personalidade daquele que as assinou - culta, generosa, sincera, íntegra. São cartas literárias.

Do convívio espiritual com Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, na constante troca de idéias entre o Rio e Teresina, nasceu em mim o desejo de reunir as suas mais impressionantes manifestações intelectuais numa obra de pulso, tantos os assuntos em que a sua pena oferecia ensinamentos magistrais: problemas piauienses, economia, processo educacional e democrático, prédios escolares, libertação do escravo, o babaçu, seca e Nordeste, crítica histórica e literária, engenharia, estradas, urbanismo - assunto vário, que ele apreciava e ensinava com profundo amor à ciência e a arte verdadeira.

As suas páginas revelam e identificam o mestre que delicia, encanta, educa e, sobretudo, concorre, como concorreu por decênios, para dar ao brasileiro e consciência de todos os aspectos da cultura nacional.


A. Tito Filho, 03/04/1989, Jornal O Dia

MESTRE (L. M. Ribeiro Gonçalves)

Poeta, jornalista, orador parlamentar, conferencista, crítico literário, cientista, geógrafo, historiador, higienista, estudioso da sociologia, urbanista, professor de amplos recursos, economista - não se sabe que mais admirar nesse homem de acendrado amor à vida democrática, ao Piauí e à sua pátria - democracia, terra natal e nacionalidade que ele tem sabido servir em todos os setores da vida pública. Digno entre os mais dignos, caráter sem jaça, leal, correto nas atitudes, sempre se colocou ao lado da verdade e das causas nobres.

Uma das mais pujantes afirmações intelectuais do Piauí em todos os tempos. Prende e convence os auditórios. Palavra fácil, altiva, protótipo do orador feito e perfeito. De tudo que escreve, com graça, períodos puros, radia beleza, grandeza mental, segurança no afirmar e no discernir. Sabe esgotar os assuntos de que trata sem alcançar o ledor, antes convocando-o mais ainda para a leitura, porque desta derivam lições de impecável conteúdo e de notável propriedade do vocabulário usado. Frases límpidas, cheias, sonantes. Estilo de arte rigorosa. Com mais de oitenta anos, está dono ainda de lucidez impressionante, escrevendo com letra à semelhança de desenhos de fino lavor. Impressionante figura humana, extraordinária individualidade no concerto geral dos que o conhecem e em razão de conhecê-lo aprendem a admirá-lo.

Era dezembro de 1946. Deixei o Rio de Janeiro, por terra, rumo do Piauí, em companhia de Tibério Nunes, Fenelon Silva, Mariano Mendes e Álvaro Ferreira Filho. Viagem de trem, de início - depois gaiola do São Francisco e caminhão. A comitiva estudantil pretendia fazer, como fez, a propaganda política dos candidatos majoritários do antigo grêmio partidário nomeado União Democrática Nacional: José da Rocha Furtado (governador), Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves e Joaquim Pires Ferreira (senadores) - os três finalmente vitoriosos no pleito de 19 de janeiro de 1947.

Lia nos jornais de Teresina a pregação cívica e a agilidade para argumentar do representante piauiense. E comecei a aplaudi-lo, a distância, com orgulho, sentindo-o uma das vozes mais vigorosas que se agitavam em defesa dos interesses públicos na Câmara Alta do País.


A. Tito Filho, 02/04/1989, Jornal O Dia

segunda-feira, 18 de julho de 2011

MEMÓRIA

Andava eu pela adolescência quando conheci Esmaragdo de Freitas, a quem meu pai dedicava profunda admiração. Gostava Esmaragdo de uns dedos-de-prosa com colegas julgadores, na praça Rio Branco, de Teresina, boca da noite. Ali o vi muitas vezes. Sério, grave, homem cara-de-poucos-amigos, mas de imenso coração, de muita bondade. Impoluto e escrupuloso. Devotou aos semelhantes grande parcela do seu valor, orientando os moços com exemplos de rígido caráter, ora auxiliando os que lhe reclamavam ajuda, prestigiando os humildes e confortando os que, por fraqueza, incorriam na censura ou na condenação pública.

Era traço da sua personalidade: não humilhar. Lembra-me que, em 1946, se reunia no rio, em sessão secreta,a  Assembléia Constituinte. Os Legisladores discutem caso de sensação, escandalizado pela imprensa, que nele via atentado sério ao decoro do parlamento brasileiro. Nessa reunião de portas fechadas, os congressistas advogaram a cassação do mandato do parlamentar faltoso. Bastou, porém, que Esmaragdo, sempre tão calado e reservado, condenasse a atitude dos colegas, para que estes, apercebidos do senso de suas ponderações, cedessem à força de autoridade daquele que as pronunciava.

*   *   *

Estudante no Rio, em 1945, vi de perto os acontecimentos políticos que empolgaram a nação: entrevista de José Américo de Almeida, de condenação ao regime ditatorial chefiado por Getúlio Vargas - a entrevista célebre com que se reconquistou a liberdade de pensamento; a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, de Eurico Dutra, de Yedo Fiúza e de Mário Rolim Teles à presidência da República; a queda de Vargas, noite de 29 de outubro de 195; a posse de José Linhares, presidente do Supremo Tribunal, na chefia do governo; finalmente, as eleições de 2-12-1945, com a vitória de Dutra. O notável Esmaragdo recebia a consagração dos piauienses elegendo-se senador da República.


A. Tito Filho, 14/04/1989, Jornal O Dia

sexta-feira, 15 de julho de 2011

LICEU PIAUIENSE - V

No regime republicano, com a equiparação ao Colégio Pedro II, o Liceu progrediu sensivelmente. Ilustres intelectuais o dirigiram e conseguiram resultados benéficos. A partir de 1930, submetiam-se os alunos a severa disciplina, razão de constantes choques entre mestres e estudantes, estes inacessíveis àqueles. Vigorava o principio da infalibilidade professoral.

O velho Liceu, com o passar dos anos, apesar do respeitável corpo docente que possuía, era mal visto pela sociedade em razão das atitudes deseducadas de estudantes, que nada respeitavam. Iniciou-se também o descaso dos professores no cumprimento dos deveres com relação às aulas, a que eles pouco compareciam, feitas as exceções naturais. Esses aspectos negativos desapareceram na direção do professor Wilson Brandão, em 1951.

Entrou no Liceu em nova fase de grande decadência. Somente a partir de 1954, a direção do professor Tito Filho estabeleceu regime de disciplina, ordem, respeito, com o apoio de todas as classes sociais. Organização escolar. Conscientização do estudante para o zelo de suas obrigações. Cuidados especiais com o ensino e com a educação. Aulas diárias de português nas primeiras series ginasiais. Interesse dos pais na aprendizagem e no comportamento dos filhos. Primeiros passos na educação cívica e religiosa. Medidas iniciais de homogeneidade na distribuição por turmas. Rigoroso e honesto exame de admissão.

As direções posteriores mantiveram o alto nível de funcionamento do Liceu.

De uns quinze anos aos dias de hoje o Liceu tornou-se irreconhecível. Deteriorou-se a sua estrutura física. Rendimento quase nulo do ponto de vista educativo. Necessitava de recuperação, de higiene e de segura orientação funcional. À Secretaria da Educação Estadual caberiam as medidas consubstanciadas no projeto de Revitalização do Colégio Estadual Zacarias de Góis. O Secretário, ex-aluno do estabelecimento, João Henrique de Almeida Sousa, entendeu os graves problemas do educandário, deliberou enfrentá-los com a ajuda de dedicados e competentes auxiliares, a fim de que se recuperasse, nos aspectos físico, pedagógico e administrativo, o querido patrimônio de muitas gerações.


A. Tito Filho, 05/09/1989, Jornal O Dia