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sábado, 23 de julho de 2011

SERIEDADE

Era bom. Conheci os anos trinta de Teresina e deles guardo queridas recordações. Tempos sérios. As famílias viviam nos lares verdadeiros, nos quais predominavam afeto e reciprocidade de alegrias e sacrifícios. Os homens trabalhavam de manhã e de tarde. As mulheres cuidavam da criançada, da roupa, dos remédios e dirigiam a culinária. Noites aprazíveis, reuniam-se pais, mães e filhos na roda da calçada em palestra alegre com as visitas. Servia-se o cafezinho e às vezes se tomava um bom refresco. Meninos e meninas tinham estudos matutinos e vespertinos. Rapazes e moças freqüentavam a bem cuidada praça Rio Branco, de árvores enormes, para passeios e namoros. Nos domingos, descanso geral, cinema familiar concorridíssimo. A primeira obrigação dominical estava na missa. Era uma sociedade sem assaltos, sem violências, sem ladrões de colarinho branco, sem exploração. Parece que todos compunham uma única classe social, classe média. Inexistiam ricos. Baixíssimo custo de vida. Era bom. Época em que a gente pedia bênção aos pais e aos padres.

Seriedade constituía o toque especial da existência. As autoridades trabalhavam de sol a sol. Funcionalismo no batente em dois expedientes. As solenidades cívicas e literárias recebiam apoio generalizado, inclusive do mundo oficial, o interventor Leônidas Melo sempre presente. Lembro-me da homenagem ao centenário de Davi Caldas, em 1936, no auditório da Escola Normal. Salão repleto. Notáveis oradores arrancavam palmas constantes. As conferências de Higino Cunha no Theatro 4 de Setembro e as de Celso Pinheiro no Clube dos Diários mereceriam manifestações populares entusiásticas. Aos domingos verificavam-se recitativos de poetas e execuções musicais e cantorias de artistas da terra na principal casa de espetáculos de Teresina. Gente muita por todos os lugares.

Hoje Teresina vive de futilidades. Só se vê gente em coquetel, desfile de gueis e uiscadas. Sinal dos tempos. Sinal, sobretudo, da nociva riqueza mal ganha de alguns.


A. Tito Filho, 23/07/1989, Jornal O Dia

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