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quinta-feira, 30 de junho de 2011

CABELOS

Os cabelos estão na história e na lenda dos humanos. Constituem material folclórico de subido valor. Houve tempo em que os cachinhos cortados de meninos e meninas eram usados pelos pais, encastoados em ouro, como berloques. A escritora francesa George Sand chegou a decepar a cabeleira e enviou-a a Musset, "como lembrança bárbara de sua dedicação sexual".

E as promessas de doação de rolo de cabelos aos santos? Refere Cascudo que essas promessas ainda são tradicionais no Brasil. A Cascudo também pertence esta informação: os cabelos valem material precioso para os processos de bruxaria. Os da cabeça enlouquecem ou matam. Os das partes pudendas anulam a virilidade.

Cabelo muito é atestado de masculinidade. Cabelo no peito indica valentia. De modo geral, os cabelos traduzem a força física, tradição filiada ao episódio de Sansão, com sua poderosa energia muscular, desaparecida no momento em que Dalila fez cortar a maçaroca do herói.

E a trunfa? Foi símbolo de coragem pessoal, como o cacho usado pelos homens do cangaço nordestino.

Meretriz, mariposa, horizontal, ou outro nome que tivesse a mulher de vida airada, durante muito tempo recebia a punição de ter o cabelo cortado, às vezes raspado. Conta Cascudo que houve antigamente a descalvação: descalvar era colocar a cabeça condenada em estado de calvície. Diz-se hoje mostrar a calva, quando se divulga crime escondido de alguém. Aplicava-se a descalvação aos crimes de felonia, falsidade e covardia.

Quem não se recorda das vaias dadas, nos colégios, aos alunos que apareciam de cabelo aparado? Ninguém esqueceu os versos do “Cabeça pelada, Urubu camarada".

No romantismo, a condição de poeta exigia uma basta cabeleira, à Castro Alves, como exigia tosse e pulmão fraco. Cabeludo e tuberculoso, eis o poeta romântico.

A. Tito Filho, 01/12/1989, Jornal O Dia

quarta-feira, 29 de junho de 2011

FAZENDAS ESTADUAIS

Expulsos os jesuítas de Portugal e do Brasil e seqüestrados os seus bens, as fazendas passaram a pertencer ao governo português, por ato de 25/11761. O governador João Pereira Caldas dividiu as fazendas em três inspeções ou departamentos denominados Piauí, Nazaré e Canindé. Proclamada a independência do Brasil, essas ricas propriedades passaram ao patrimônio nacional, administradas por funcionários do Ministério da Fazenda. Em 1844, as fazendas do departamento de Canindé (Ilha, Pobre, Baixa dos Veados, Sítio, Tranqueira, Poções, Saco, Saquinho, Castelo, Buriti, Campo Grande e Campo Largo) passaram a fazer parte do dote imperial da primeira Januária Maria, irmã do imperador Pedro II. Após a celebração do casamento, na conformidade do contrato matrimonial, todas essas terras e fazendas do dote imperial e a sua administração pertenceriam também ao esposo da princesa - príncipe Luís Carlos Maria, filho de Fernando II, rei das duas Sicílias. No contrato de casamento estabeleceu-se que, se não houvesse descendentes da princesa ou se o casal passasse a residir, definitivamente, fora do Brasil, todos os bens reverteriam ao patrimônio Nacional. O casal fixou residência na Europa. "Não obstante - escreve Antônio José de Sampaio - serem as mais severas e positivas as instruções do governo, as fazendas não prosperavam, sob essa direção administrativa (Ministério da Fazenda), e os políticos locais tiravam vantagem das mesmas, no interesse de seus partidários, sempre sequiosos de obterem uma situação, com a idéia única de explorá-las em seu próprio benefício".

Diminuía a renda anual e desaparecia o gado, o que levou o Congresso Nacional a votar leis autorizando a venda ou arrendamento de várias dessas propriedades nacionais, inclusive as fazendas dos departamentos de Nazaré e Canindé, no Piauí.

O Dr. Francisco Parentes, engenheiro-agrônomo, teve a idéia de trabalhar pela instalação de um estabelecimento zootécnico e agrícola, à margem do rio Parnaíba. Em setembro de 1873 foi o governo autorizado a criá-lo. Francisco Parentes seguiu para a fazenda Bom Jardim (pertencia a Amarante). Aí foi fundado o Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara. Bom Jardim foi um dos sítios de constituição do atual município de Floriano. O edifício dessa instituição apresentava todas as vantagens como escola de ensino prático. O prédio, porém, em 1922, já estava arruinado.


A. Tito Filho, 01/07/1989, Jornal O Dia

terça-feira, 28 de junho de 2011

DESBRAVAMENTO DO PIAUÍ

Já muito se discutiu a respeito da prioridade histórica do descobrimento do Piauí. A dois vultos se atribui o feito: ao paulista Domingos Jorge Velho e ao português Domingos Afonso Mafrense, ou Domingos Afonso Sertão.

Sobre o descobrimento do Piauí escreveu Varnhagen (visconde de Porto Seguro): "É menos exato que neste descobrimento tivesse parte o paulista Domingos Jorge". João Pinheiro afirma (O descobrimento do Piauí - 1943): "Parece que já é tempo de despojar-nos de umas tantas veleidades ou injustificáveis pretensões nacionalistas como a de território descoberto pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, uma vez que esta persiste, sem nenhum apoio sério, em completa incompatibilidade com a verdade histórica irrefragável". E acrescenta: "Entretanto, até bem pouco tempo, somente o seu nome corria parelha com o de Domingos Afonso Sertão (Mafrense), em competição de prioridade daquele descobrimento, aliás, por títulos francamente contestáveis, mas que se consolidaram por último, como que assegurando-lhe completa supremacia depois da publicação de um documento encontrado pelo erudito Dr. F. A. Pereira da Costa e inserto à pág. 21 de sua Cronologia Histórica do Piauí". Trata-se de uma carta de sesmaria.

No ensaio sobre o desbravamento do Piauí, Barbosa Lima Sobrinho tira as seguintes conclusões do documento transcrito por Pereira da Costa:

a) Domingos Jorge Velho, 24 ou 25 anos antes de 1687, isto é, em 1662 ou 1665, saíra de São Paulo com sua tropa de sertanistas e chegara com ela ao interior do Piauí.

b) Estabelecera-se com fazendas de gado ao longo do Parnaíba e do Poti, topando bandeiras do gentio do Piauí e permitindo, desse modo, que se povoasse a região.

c) Depois de 24 ou 25 anos de semelhante atividade deixara todos os seus bens e criações ao longo do Parnaíba, para dirigir-se ao quilombos dos Palmares.

d) Essa descida para os Palmares ocorrera no ano de 1687".

E acrescenta: "Daí a prioridade de Domingos Jorge Velho no devassamento do Piauí, pois que o primeiro documento a respeito de seu êmulo Domingos Afonso Sertão (Mafrense) é apenas de 1674, na patente de uma entrada que só se concluiu em 1676".


A. Tito Filho, 01/04/1989, Jornal O Dia

segunda-feira, 27 de junho de 2011

COMÉRCIO

No romance "Um manicaca", Abdias Neves faz referência ao comércio de Teresina nos últimos tempos do século XIX: "Aqui e ali estavam lojas abertas e caixeiros derreados nos balcões, sem fazer nada, à espera do toque libertador das nove horas. Poderiam, então, ir tomar parte, também, nas festas. Não nas do culto - que terminavam, a essa hora, com a retirada da música da Polícia mas nas festas profanas dos botequins, onde a graça das prostitutas em moda cintilava até ao amanhecer, na desenvoltura e nos entusiasmos de uma embriaguez sem fim".

Essas lojas de antigamente se abriam às sete da manhã e se fechavam às nove da noite.

Quando, de Barras (PI), viemos morar na capital, o horário se havia modificado. E em 1933, abril, o decreto nº 22, do prefeito Luís Pires Chaves, adotou o seguinte regime para o funcionamento das casas comerciais: zona Norte, das 8 às 12 e das 14 às 18; zona Sul, das 7 às 11 e das 13 às 17.

Era 1932. Chegamos a Teresina em companhia do saudoso pai, que vinha assumir o juizado de direito. Moramos na rua Lisandro Nogueira (antiga Glória), bem perto do mercado central. Passamos, ainda nesse ano, a residir na rua São José (Félix Pacheco), próximo, muito próximo da praça Saraiva. Defronte, mantinha sortida mercearia o português José Gonçalves Gomes, cidadão conceituado e que muito honrou a atividade comercial. Dessa época distante ainda nos lembramos da /casa Carvalho; de Deoclécio Brito, o primeiro concessionário da Ford e das máquinas de escrever Remington; de Monoel Castelo Branco e Anfrísio Lobão, que se tornaram donos da Agência Ford; de Afrodísio Tomás de Oliveira (Dôta), de João de Castro Lima (Juca Feitosa), cuja loja vendia artigos diversos, inclusive livros de autores portugueses e brasileiros; de Lili Lopes, à frente da Botica do Povo; de Manuel Madeira, português, vendedor de bolos e pastéis (praça Rio Branco), talvez o pioneiro de lancheiras em Teresina - e de vários bares e botequins como o frequentadíssimo Bar Carvalho, de José Carvalho, o Zecão, homem de bem, de muitos amigos, que oferecia, no estabelecimento, bilhares, café, sorvete, chocolate e convidativo restaurante sob o comando do espanhol Gumercindo, introdutor de filé de grelha, feito na chapa do fogão, na culinária teresinense. Alcançamos o famoso Café Avenida, feito de madeira, na praça Rio Branco. Construiu-se outro, em 1937, de dois andares, amplo, ao lado do Hotel Piauí (Luxor) freqüentado de homens ilustres. Foi derribado. No local hoje se estacionam veículos.

Os comerciantes ou donos eram cidadãos de respeito, educados, desprovidos da feia e baixa ganância de muitos outros da atualidade. Sim, muitos donos de comércio hoje parecem cédulas, são famélicos pelo vil metal.


A. Tito Filho, 01/10/1989, Jornal O Dia

sábado, 25 de junho de 2011

ASSEMBLÉIAS NACIONAIS

O Conselho de Procuradores das Províncias, a 3.6.1822, requereu a convocação de uma Assembléia Luso-Brasiliense. A 19 de junho expediram-se as instruções sobre processo eleitoral. As freguesias indicavam os compromissários (eleitores), que elegiam deputados. Estes foram eleitos, mas já agora para a Assembléia Constituinte Brasileira, que em abril de 1823 realizou sessões preparatórias, instalando-se solenemente a 3.5.1823. Neste congresso se afirmaram dois grupos: o conservador e o liberal. Houve, porém, crise entre a Assembléia e o Trono, do que resultou a dissolução daquela a 12.11.1823.

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De Odilon Nunes copiamos este passo: “Quando ainda governava o Piauí a última Junta de Governo Fiel a Portugal, determinou esta às câmaras municipais que havia recebido instruções do Rio de Janeiro para procederem à eleição de deputados à Assembléia-Geral Constituinte do Brasil, que tal assunto fosse metido em silêncio, em virtude do juramento a que estavam sujeitos. Deveriam guardar fidelidade a D. João. Assim, o Piauí não se fizera representar na Assembléia Constituinte do Rio de Janeiro. E em seguida houve a deflagação da luta aramada, pela emancipação política“.

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Termina a campanha da independência, convocou-se o colégio eleitoral e foram eleitos Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco e Pedro Antônio Pereira Pinto do Lago (padre) representantes do Piauí, em discordância com a instrução recebida, que mandava que fosse eleito apenas um deputado. Os eleitos não Intentaram assumir suas funções, em virtude da dissolução da Constituinte. (Odilon Nunes). O padre Pedro Antônio Pereira Pinto do Lago era vigário de Itapecuru-Mirim (MA), grande fazendeiro no Piauí. Nascido na Bahia.

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A 25.3.1823, Pedro I outorgou ao Brasil a Constituição do Império, que criou a Assembléia Geral, constituida de Câmara dos Deputados e Senado. Este se compunha de membros vitalícios, escolhidos pelo imperador em lista de 3 nomes eleitos pelas províncias. o artigo 41 da Carta tinha a seguinte redação: “Cada província dará tantos senadores quantos forem metade de seus respectivos deputados, com a diferença que, quando o número de deputados da província for ímpar, o dos seus senadores será metade do número imediatamente menor, de maneira que a província que houver de dar onze deputados, dará cinco senadores“. E o artigo 42 estabeleceu: “A província que tiver um só deputado elegerá, todavia, o seu senador, não obstante a regra acima estabelecida“.

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Em virtude do movimento revolucionário denominado Confederação do Equador retardaram-se as eleições, mas a 6.5.1826 inaugurou-se a Assembléia-Geral do Brasil. O Piauí tinha um deputado e um senador.


A. Tito Filho, Jornal O Dia, 02/11/1989

LILIZINHA

Pais: Heitor Castelo Branco e Emilia Leite Castelo Branco. Não é piauiense de nascimento, mas no Piauí se integrou desde criança. Residiu alguns anos em Belém. Alta funcionária da Secretaria de Educação, dirige com proficiência a Casa Anísio Brito (Museu Histórico e Arquivo Público do Estado) em Teresina. Pertence ao Conselho Estadual de Cultura do Piauí.

Colaborou na imprensa do Rio de Janeiro ("Diário Carioca") e colabora freqüentemente na de Teresina, assinando artigos de crítica literária, de incentivo às letras, de análise de fatos da coletividade. Jornalisticamente, tem linguagem de muita simplicidade.

Muito nova escreveu contos e um deles mereceu prêmio da revista carioca "Vida Doméstica".

Dedicou-se à ficção e três romances já saíram de sua lavra: "Sinhazinha do Karnak", "A Mendiga do Amparo", "Quinze Anos depois", recebidos com entusiasmo pelos críticos de literatura. Capítulo do primeiro dos citados livros teve acolhida em obra didática, tal a delicadeza do estilo e a fidelidade na descrição das paisagens. Seu último romance tem o nome de "O Juramento".

De muita profundidade psicológica é o seu "A Mendiga do Amparo", da forma que acentua o acadêmico J. Miguel de Matos. Da "Sinhazinha de Karnak" disse Isabel Vilhena, com muita acuidade, que pode figurar ao lado da "Senhora de Engenho", de Mário Sette, e de "A Morgadinha dos Canaviais", de Júlio Dinis.

Lilizinha Carvalho, como é mais e muito conhecida, dispõe, realmente, de muitas virtudes para a composição do romance. Narra com delicadeza, observação atenta, delineia bem os tipos, tem grande fidelidade às paisagens físicas e humanas e muita atenção ao tempo em que se desenrolam os seus romances. Não exagera as histórias que conta, porque antes de tudo parece que os episódios foram presenciados pela sua agudeza de percepção. A linguagem não aparece, momento algum, enfeitada. Antes, delícia pelas expressões justas e necessárias à compreensão da narrativa e do dialogo.

Chamou-se Emília Castelo Branco de Carvalho. Faleceu em 15 de outubro de 1980.


A Tito Filho, 13/10/1989, Jornal O Dia