Quer ler este texto em PDF?

segunda-feira, 4 de julho de 2011

BESTICE

Pobre gosta de luxo, mas quem leva luxo é rico. O sujeito morre no Japão e o Brasil envia embaixada ao enterramento, em aviões maravilhosos, cruzando os ares até o outro lado do mundo. Sarney esteve no comando da tropa daqui para as manifestações de pesar aos imperiais do sol nascente. Viajou o titular presidencial passou-se a governança ao substituto legítimo, o presidente da Câmara dos Deputados, o cearense Paes de Andrade. Mal se meteu nas funções altíssimas, logo convocou amigos, aeronaves a jato, para uma visita à sua terra natal, a cidade do interior do Ceará chamada Mombaça. Antes do pouso em Fortaleza, discurso, hospedagens nos hotéis de dez estrelas, na beira-mar, para um necessário descanso. Depois a chegada a Mombaça, debaixo do foguetório, zabumbas, discurseira, passeata pelas ruas. Era o filho ilustre no reino da glória, presidente da República por quatro ou cinco dias. Houve placas comemorativas. Os meninozinhos do grupo escolar, remelentos, sacudiam bandeirolas de papel de seda, saudando o conterrâneo vitorioso. Uma bestice generalizada, episódio que encheu a pátria de risos e ridículos.

Não se leve muito em conta essa vaidade sem sentido por conta dos cofres públicos. Veja-se antes de tudo a circunstância da duplicidade presidencial. O Brasil, de vez em quando, se empanturra de dois titulares da presidência: o ausente, que passeia pelo exterior, e o que permanece no país, pelo espaço de poucos instantes. Agora mesmo se prestavam as continências de estilo, em Tóquio, a José Sarney, enquanto em Mombaça a banda de música local batia bombos e pratos em acompanhamentos marciais, para os rapapés estilizados a outro presidente desta esforçada República Federativa do Brasil.

Não há necessidade de bobagens idênticas. O substituto do presidente só assume, nos países sérios, por morte do titular, por renúncia deste ou quando se decreta, por via legítima, o impedimento do chefe de Estado. O exemplo dos Estados Unidos está presente: o presidente Reagan viajou o mundo todo e jamais o vice-presidente, o substitui nas ausências do território norte-americano.

No Brasil, porém, vigora a bestice de dois presidentes ao mesmo tempo: o que viajou para Tóquio, no Japão, e o que viajou para Mombaça, no Ceará.


A. Tito Filho, 01/03/1989, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário