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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

CRIME E IMPRENSA

Faz uns trinta anos, Antônio saraiva Soares Bento, na Guanabara, ou Rio de Janeiro, teve violenta discussão com a amante, com quem residia no bairro de Santa Teresa, num apartamento. No calor das ofensas recíprocas, o citado brasileiro bateu na mulher, com um instrumento de aferrolhar a porta. A vítima, aos gritos, pedia socorro. Receoso de atrair atenções, Bento deixou o apartamento, rumo da rua, regressou pela madrugada para uma grave surpresa: a mulher estava morta.

O homem sempre procura esconder as más ações que pratica. Cada um de nós tem sua culpa desconhecida dos demais. Esconder o ato criminoso é próprio da personalidade humana. Pois bem. Antônio Soares Bento arranjou petrechos, serrou os membros inferiores de cadáveres, e dispôs cabeça, tronco e partes serradas num baú, enterrando a carga macabra com a ajuda de amigo, num quintal de Niterói.

Não importa que se recomponha o processo policial da descoberta do crime. Vale dizer que o criminoso compareceu no júri, do qual saiu condenado a quase 20 de encarceramento.

Por que teriam agido os jurados com tanto rigor?

O assassino não quis tripudiar sobre o cadáver, por ódio ou outro sentimento vil. Serrou-o com o intuito de enterrá-lo, e ficar livre, gesto que pareceu desumano e torpe, mas compreendido por quem entenda do comportamento do criminoso, que procura fugir à ação da polícia e da justiça, com o receio, que é de todos, da perda da liberdade, bem luminoso da existência.

Os jurados, entretanto, decidiram sob a influência dos comentários jornalísticos permanentes, alimentados das manchetes sensacionalistas, uns e outras definindo o crime do réu como monstruoso, bárbaro, horrível, circunstância que mais me ressaltava com as fotografias da vitima obtidas no necrotério e estampadas nas folhas quotidianas.

E assim tem agido o jornalismo - jornal, rádio, televisão - quando se verificam homicídios e outros crimes. Em vez da informação pura e simples dos fatos, dos episódios, - em vez da reportagem sincera do que se passou, da reprodução exata de testemunhos, o jornalismo adota posição contra o acusado ou a favor dele, e de qualquer jeito prejudica os interesses mais altos da justiça, o que vale dizer da própria sociedade. Critério, como se vê, condenável, ofensivo do direito de cada um a julgamento imparcial, desapaixonado.


A. Tito Filho, 14/06/1989, Jornal O Dia

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