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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

LINGUAGEM

Uma feita escrevi a respeito da linguagem de Jorge Amado, que alguns consideram atentadora ao pudor, pornográfica, ofensiva da educação puritana de donzelas pudicas e rapazolas ainda de buço ralo. Lembrei o presidente Truman, dos Estados Unidos, antigo vendedor de gravatas no Missouri. Um jornalista criticou-lhe a filha Margaret, admitindo que a moça, que se julgava cantora, cantava muito mal. Truman defendeu a filha, pela televisão, e xingou o jornalista de SON OF A BITCH. Sobre Truman choveram protestos de toda parte, das ligas americanas de moralidade, de sindicato de educadores, de gente cultivadora de falsa pudicícia.

No meu artigo, traduzi o SON OF A BITCH como FILHO DE QUALQUER COUSA. Fugi de dar o verdadeiro significado da expressão entre os norte-americanos.

Magalhães Júnior no seu "Dicionário de Coloquialismo Anglo-Americanos" registra SON OF A BITCH, isto é, FILHO DE UMA CADELA, e atesta que tal expressão constitui o pior insulto da língua inglesa.

A linguagem humana é meio de entendimento da comunidade que se manifesta por processos vários. Há a linguagem literária, asseada, estruturada, e ao lado dela a linguagem natural, despoliciada, no contato com os amigos, nas diversões, a linguagem chã, plena de expressões triviais, veículo de entendimento geral, que todos compreendem, instrumento de conversação do doutor com a verdadeira, do sábio com o limpador de sapatos.

Há outros processos de linguagem: a linguagem dos gestos, dos dedos, dos olhos, a linguagem da gíria, por via da qual o povo ironiza situações e caracteres, e ainda a linguagem dos grupos profissionais, com a força psicológica do vocabulário na variedade desses grupos: trabalhar para o médico corresponde a operar, mas de trabalhar o ladrão tem entendimento diverso. E chegue-se ao calão, o processo de linguagem deseducada, comum no submundo da malandragem, do meretrício.

Jorge Amado busca a vida para a concepção dos seus livros. A linguagem é vida. Jorge é repórter da vida. Passou o romantismo e com ele se foi a linguagem do polimento que Alencar punha na boca das cozinheiras e das babás.

Essa fotografia da fala da comunidade não pertence apenas a Jorge Amado. Pertence a José Américo, a Lins do Rego.

Um SON OF A BITCH na boca do Truman da Casa Branca é condenável. Na boca do Truman fora da Casa Branca - não. Pois não há doutor, não há líder, não há homem sério que não solte de quando em quando, o seu SON OF A BITCH.


A. Tito Filho, 08/07/1989, Jornal O Dia

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