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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

CARPIDEIRAS

Naquele dia 12 de julho de 1946, recebi no aeroporto Santos Dumont, do Rio, o meu velho amigo Adail Bastos, nascido nas terras de Nossa Senhora da Conceição do Porto dos Marruás, que foi MARRUÁS, João Pessoa e hoje se batiza de Porto. O visitante pela primeira vez via a cidade maravilhosa. Desembarcou do pequeno avião com o jeito matuto das distâncias piauienses. Levei-o ao Hotel América, na rua das Laranjeiras, e o aboletei num apartamento vizinho ao em que residia, com a esposa Cleonice, o senador Esmaragdo de Freitas, home de luzes jurídicas e literárias, caráter adamantino.

Eu, estudante, morava na Tijuca, em rua compridona, de casario singelo e agradável. Repartia meu humilde quarto de pensão com o futuro embaixador Expedito Resende.

Boquinha da noite, quando o movimento de trânsito havia diminuído, peguei o bonde e rumei para o hotel de Esmaragdo. Era um jantar com o convidado Adail. Depois da bóia farta, palestração até um pouco tarde. Na minha hospedaria, umas duas horas depois do regresso, tive a notícia insolente da morte repentina do senador, por telefonema já agora da viúva. Meti a surrada roupa de casimira, para enfrentar o frio gostoso, e procurei prestar assistência a Cleonice. Ajudei na carregação do corpo, com o porteiro do hotel e o motorista do táxi, o morto de pijama. Segui para o Cemitério de São João Batista, aluguei o aposento do velório. Antes das providências de vestir o cadáver, em sala apropriada, arrumar castiçais e velas, o funcionário perguntou-me pela família do defunto. Disse-lhe que só havia a viúva e eu, simples amigo. Aconselhou-me o aluguel de carpideiras, mulheres treinadas em choros e lamentações. Consultei Cleonice e aconselhei-lhe que recusasse as profissionais desses prantos falsos e que causavam dó.

Só de tarde começaram as visitas de colegas a conterrâneos de Esmaragdo, um cidadão que viveu transparente, sem falsidades e que, morto, não necessitava de carpideiras.

Quarenta e três anos são passados do enterro desse piauiense de fibra e de vergonha.


A. Tito Filho, 12/07/1989, Jornal O Dia

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