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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

UM MANICACA

UM MANICACA é a primeira expressão do romance de costumes entre nós, embora o escritor, documentado a época vivida pela capital piauiense nos tempos finais do século XIX a alvorecer do XX, pretendesse sustentar as suas idéias anticlericais e o seu ateísmo, condenando os ritos, crenças e processos religiosos da Igreja Católica. Mas é também uma estória de pecadores, numa cidade tomada de preconceitos, num tempo em que os ministros de Deus mais condenavam práticas do que educavam os espíritos. Era a exigência da época. A exigência dos costumes, a exigência das mentalidades.

UM MANICACA deve ser visto na personalidade do autor e nos caracteres que davam vida à cidade ainda desumana, suja, sem conforto, impregnada de religiosidade simples, submissa a tabus de vários tipos, vivendo do comércio pequeno, deliciando-se coma intriga e o mexerico. Nele se entrecruzam tipos humanos, quase sempre maledicentes.

Abdias Neves formou-se na Faculdade de Direito do Recife em 1898 - o velho estabelecimento de ensino em torno do qual se desenvolveu a chamada Escola do Recife, que teve como chefes Tobias Barreto e Silvia Romero. Esse vigoroso centro de agitação intelectual atuou por toda a metade do século XIX, época que assiste, como escreveu José Veríssimo, a um florescimento invulgar de estudos, favorecendo aquela vasta revisão de valores e postulados que iria colocar no primeiro plano o pensamento considerado moderno: as doutrinas positivistas, ortodoxa e heterodoxa de Littré, o biologismo de Darwin, o evolucionismo de Spencer, o determinismo Taine, a concepção histórica de Buckle, o monismo de Kant, Schopenhauer e Haeckel.

UM MANICACA tem naturalmente origens na própria formação intelectual de Abdias Neves. A Escola do Recife teve a fase crítico-filosófica entre os anos 1870 a 1878. E a corrente literária do realismo e do naturalismo empolgou as concepções da literatura a partir de 1870.

As idéias do escritor piauiense coincidem com as idéias da Escola do Recife e com o pensamento do realismo-naturalismo.

A sociedade foi encarada como um organismo obediente às leis biológicas do crescimento e da morte. Dominou o método evolucionista. Biologia e Sociologia deram-se as mãos, em virtude do trabalho de Darwin, Comte e Spencer, e o darwinismo e social sintonizado com teorias mecanicistas e materialistas em física e química tiveram seu ponto alto em Haeckel, de enorme popularidade.

Em Abdias estão o culto da ciência, o evolucionismo, o liberalismo, o determinismo, o positivismo, o anti-espiritualismo, o naturalismo. Pertenceu ele à geração do materialismo, de que UM MANICACA é testemunha.

E a tais teorias o naturalismo deu forma literária: "A arte deve conformar-se coma  natureza, utilizando-se dos métodos científicos de observação e experimentação no tratamento dos fatos e das personagens".


A. Tito Filho, 23/06/1989, Jornal O Dia

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