Quer ler este texto em PDF?

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

CANTIGAS

As músicas populares, de modo geral as carnavalescas, expressam muitas vezes as ridicularias da vida social, e criticam hábitos e costumes condenáveis das criaturas. Lembro-me da vitória de Eurico Gaspar Dutra nas eleições de 2 de dezembro de 1945. No carnaval seguinte surgiu a cantiga muito divulgada sobre o puxa-saquismo nacional. Antes, a bajulação a Getúlio Vargas se fazia permanente. Caiu o ditador, recolhido à sua agradável fazenda de Itu, nos pampas sulinos, e logo as palmas se dirigiam uníssonas ao novo presidente: "E o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais" - rezavam os foliões de 1946. Nas eleições de 1950, Getúlio Vargas conseguiu significativa vitória e voltou ao Palácio do Catete, para o mandato presidencial de cinco anos. E logo compositores e autores de letras relataram o triunfo getulista na freqüente mudança de afeição do povo brasileiro.

Quando o famoso gaúcho implantou o Estado Novo, perversa ditadura que durou oito anos, violenta e criminosa, havia departamento especial do ditador, que tinha retrato obrigatório pendurado por toda a imensidão brasileira, nos palácios como nas biroscas de ponta de rua. Liquidado o regime ditatorial e destronado o chefe supremo, a fotografia do homem saiu de circulação. Retiraram-se todos das paredes e locais outras da penduração. Com a posse de Getúlio ao comando da nação, em 31 de janeiro de 1951, a música carnavalesca mais uma vez criticou o chaleirismo do país, ou o vício bajulatório da nossa gente, melhor dizendo o brasileiro puxa-saco em todos os tempos. Ninguém esquece a cantiga com o verso irônico: "Bota o retrato do velho outra vez" - e os retratos de Getúlio ganharam de novo salas, salões e botecos por toda parte.

A história da cantiga brasileira, censuradora e às vezes sarcástica, ainda não se contou, na beleza da inteligência que ela encerra.


A. Tito Filho, 21/07/1989, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário