Quer ler este texto em PDF?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O ACADÊMICO

Os restaurantes de Teresina, nos dias de hoje, exibem nomes afrancesados, que nesta terra se perdeu a originalidade. Tudo se copia do Rio e de São Paulo. E a bóia se faz sofisticada, um bife pequenininho coberto de massas e pastas e uns molhos provocadores de distúrbios intestinais. Os preços são os dos olhos da cara, tiram-se cabelo e barba da tola freguesia.

Não se come em Teresina como antigamente. Vive-se de recordações. O Bar Carvalho do Zecão, na praça Rio Branco, oferecia um filé de grelha criado pelo gorducho cozinheirão vindo da Espanha. Era saboreá-lo de farofinha gostosa ao lado, duas azeitonas e um bocado de ervilha, e depois morrer, com lucro ainda. Que dizer do frege do Jumentinho, por detrás do Liceu? Voltava-se do cabaré, da cama de quenga, no amiudar do galo, e Jumentinho a postos, com uma mão-de-vaca gordurosa e reconfortante. No Mafuá, havia a biboca do PADIM CIÇO, que o proprietário escrevia como falava ou como sabe, com um bocado de cedilhações. Funcionava de tarde para os farrista que começavam de manhã, sobretudo nos dias de sábado. Uns cachorros sarnentos, roçando nas pernas da gente, aguardavam o osso bem lambido, de tutano chupado. Descendo-se a rua Paissandú, perto da beira do rio Parnaíba, comerciava a Maricota, velha rameira aposentada sem mais freguesia para as vergonhas encarquilhadas. Especialista em peixada à base de muita apimentação. Cozinhava num panelão de ferro, do tempo em que o capeta andou no mundo. Ninguém esqueceu ainda a antiga GALINHA DA JÚLIA, nas bandas da Piçarra. As aves eram assadas e se acompanhavam de farofa e cheio apimentado. Gente de fora, até das estranjas, indagava por esse acepipe divino. O DOTÔ ficava na rua Eliseu Martins, proximidades da praça Rio Branco. Vendia panelada e mão-de-vaca. Antes da bóia, uns dois tragos de pinga boa, para uns arrotamentos necessários. Outros que existiram me desculpem a falha da falta de memória.

Agora desapareceu o restaurante Acadêmico do boníssimo Pedro Quirino, de comida variada e gostosa. Nele tive acolhimento por quarenta anos, trinta dos quais eu debitava as comedorias e pagava a conta no último dia do mês.

Teresina está morrendo. A boa Teresina, onde a gente comia sem os desarranjos das bóias sofisticadas.


A. Tito Filho, 21/03/1989, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário