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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

SITUAÇÃO NACIONAL

A nação brasileira parece que já aceita a rotina de aflições sem conta. Martiriza-se a fome de milhões, uma fome endêmica ou epidêmica, a doença concede às populações subnutridas vida curta e plena de sofrimentos, a habitação desumana constitui o cenário em que se abrigam as famílias de assalariados. A violência faz parte da convivência nas pequenas, nas médias como nas grandes cidades. Multiplicam-se os assaltos e os seqüestros. Mata-se por motivo ignóbil e até sem motivo algum. Vigora a lei da truculência. Diariamente os preços das utilidades disparam, sem que escapem os produtos oficiais vendidos pelo governo, como no caso dos combustíveis. Após a Constituição de 1988, tornou-se permanente a greve, sobretudo de professores de todos os graus, uma greve contra a educação e o saber e mais ainda contra os direitos sagrados de adolescentes e jovens, justificada porém pelos péssimos salários dos docentes que, mal pagos e endividados, perdem inteiramente o status social, que os fazia, nos dias passados merecedores do reconhecimento da coletividade. O ensino público nas áreas federal, estadual e municipal perdeu a credibilidade. Milhares de funcionários públicos da ativa não trabalham e comparecem nas repartições nos dias de pagamentos. São INVÁLIDOS por falta de ocupação e vivem pensionistas oficiais. Os famosos educandários particulares representam indústria de alta renda para os felizardos proprietários que ainda recebem ajuda governamental. Os poderes republicanos discutem, debatem e decidem sobre o salário mínimo das gentes nacionais, uma remuneração ínfima, raquítica, que mal cobre as despesas de alimentação, enquanto se pagam milhões mensais a um membro do legislativo. Perdeu-se a vergonha. Os mais tristes gestos contra a dignidade nada significam para os que transgridem as leis, pois a sociedade moderna considera heróis os que sabem enriquecer depressa, por conta de golpes de esperteza. Os bandidos ganham o noticiário dos jornais, dos rádios e das televisões. Os povos conhecem mais ESCADINHA do que Oswaldo Cruz. Os bicheiros têm papel saliente nas novelas das tevês e ganham o prêmio maior da conquista das JOCASTAS tipo Vera Fischer. As cenas do despudoramento ganham as telas caseiras. Sepultou-se a nudez como sustento de publicidade malsã e de convocação dos sentidos. Vivem os ricos de extravagâncias, desperdícios e futilidades, gastando a rodo os dinheiros embolsados e adquiridos de maneira pouco recomendável e sob condenação generalizada. Mulheres e homens milionários passam as noites em solene uiscadas. Gastam dezenas de salários mínimos nas festas e nos casamentos dos filhos sem trabalho. Vestem-se de trajes luxuosos, dissipam fortunas em episódios sem sentido. Assim vem sendo a pátria amada, ingrata com os humildes e pequenos, que só encontram conforto nas criminosas ações de roubo e vingança. O menosprezo dos bens culturais, porém, completa o quadro assustador em que mergulha a nação. Aboliu-se a leitura nos hábitos familiares e educacionais. que se lê no Brasil? Nada. Apenas uma elite conhecida ainda participa dos ensinamentos dos livros. Preponderam insultuosos esquecimento dos melhores documentos da literatura nacional. Ninguém conhece mais os nossos grandes escritores. As solenidades cívicas desapareceram. Ainda se realizam alguns lançamentos de obras entre amigos íntimos. A cultura corresponde a notável pasmaceira generalizada. As televisões fabricam as mais das vezes asneiras enlatadas. Centenas de cantores se exibem, em cantigas de músicas e letras inexpressivas. não se ouvem mais os grandes momentos da música. A arte dramática vale pornografia. A nação debilita-se. Estertora. Extinguem-se os seus mais sagrados caminhos espirituais. Quando uma nação se alimenta de futilidades e despreza a sua língua, a sua história, o seu patrimônio moral - e vegeta deseducada e amorfa - está doente, agoniza sem salvação.


A. Tito Filho, 26/06/1989, Jornal O Dia

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