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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

ESTUPIDEZ

Faz poucos dias houve jogo de futebol internacional em Teresina. Brasileiros e paraguaios disputaram o domínio da bola, coma vitória dos primeiros. Tive muito desejo de ir à festa cívica, mas temi a multidão. Não posso desamar o futebol, pois brinquei nos becos de minha cidadezinha de Barras, com a molecada de meu tope, de bola de meia, e nesse tempo, entre nós, vigoravam os empurrões e as rasteiras. Era bom. Depois me acostumei a presenciar bonitas pugnas futebolísticas em Fortaleza e Rio de Janeiro. Uma beleza. Muito entusiasmo na alma popular. Embates vibrantes. Torcidas entusiasmadas.

Passaram os tempos ditosos. Futebol no mundo de hoje supõe paixão desenfreada, sopapos, bofetões, tiros e até morte. De vez em quando as tragédias entristecem as comunidades. Impera a paixão, que conduz às atitudes incontroláveis. Liquidou-se o espírito de companheirismo. Cada qual enxerga no vizinho o inimigo. Talvez a causa esteja na solidão do brasileiro, nas posturas de protesto contra a angústia universal. Por toda parte, agressividade e irracionalidade.

Na apreciação de um livro desse incomum cidadão de espírito coletivo chamado Carlos Said, escrevi que Érico Veríssimo observa curiosa predileção do mexicano de rua pelos fogos de artifício, principalmente pelo foguete e pelo busca-pé, e tanto um como o outro tem dois predicados que o mexicano admira do funda da alma: são explosivos e chispantes. No futebol do Brasil o que as vezes dá impressão de alegria, constitui fúria, o que parece contentamento, corresponde a violência. Futebol no Brasil semelha revolução, explosão, válvula de escape para a violência reprimida, uma atitude bovárica irreversível, um protesto da angústia, uma fuga da realidade, uma forma de evasão.

Faz poucos dias, na Inglaterra, torcedores que não puderam ter ingresso num jogo, em virtude de lotação esgotada, tomados de paixão, invadiram as dependências do estádio e deu-se a tragédia estúpida, sufocando-se uns duzentos. Verdadeiro crime da bestialidade, como os mostrados por Zola, nas multidões compostas de neuróticos, anormais, inoculadores do veneno da loucura no corpo coletivo. Verdadeiros recalcados de Freud.

Não fui ao jogo Brasil-Paraguai. Não confio nas multidões, que as vezes se tornam instintivas e bestiais.


A. Tito Filho, 25/04/1989, Jornal O Dia

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