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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

FÁTIMA

Talvez a razão seja do subconsciente, assim como que freudiana, essas cousas de que meu velho amigo Serapião não entende. Faz muito tempo que conheço o bom Serapião, desde que eu, ele e outros molecotes do mesmo tope olhávamos peito de lavadeira nas cachoeirinhas das Ilhotas, no rio Poti. Nesse ambiente conheci uma menina interessante de nome Fátima, mulatinha cheia de sem-vergonhice, roliça, que esperava a mãe deitada debaixo dum pé de pau copado, de boa sombra. A velha batia roupa, nas pedras. Fátima me chamou e fomos para um lugar mais escondido.

Namorei outra Fátima no velho Marruás. Gostava de mascar tabaco e dava umas cuspidas cheirosas, bonitas, esparramadas. Apreciava amor dentro d’água.

Quando estive doente no Rio, minha enfermeira, perita em injeção nas nádegas, me deu assistência fraterna. Feia, carnes moles, mas criatura de Deus na caridade de bem servir. Andava por certos sessenta janeiros e tinha danação por piadas de papagaio.

Em 1952, vi a imagem de Nossa Senhora de Fátima, em Teresina. Uma beleza de santa. Olhar piedoso, terno. Protetora dos pecadores e dos que acreditavam na sua graça divina.

Fátima é um nome de muita doçura e as Fátimas que conheci e conheço sempre me inspiraram imensa simpatia.

Na capital do Ceará, fui enamorado de uma Fátima tão virtuosa que me deixou para fugir aos pecados do mundo. Entrou para o convento mais fechado dos baianos.

Fátima se chamava caridosa tia minha que morreu de parto. Grande mulher em espírito e coração.

Tenho recordação de mais oito ou nove Fátimas, tudo gente de bom gosto, de disposição para a convivência amiga.

Agora mais uma Fátima me convoca simpatia. Estava no jornal. De fisionomia alegre, menina feita por Deus que a colocou no meio desta humanidade cheia de lágrimas nos olhos dos pobres e dos enjeitados da vida. Rico não chora, não ganha salário mínimo, rico vive de alforje cheio.

A notícia falava de uns dinheirinhos moles que Fátima havia ganho em negócio de contracheques - negócio inocente, de rendas magríssimas e que ela dividia com um bocado de parentes e amigos pobríssimos, como ela mesma.

Eu me lembro do caso da mandioca, em Pernambuco, que engordou de muitos milhões cabras espertos, e dos banqueiros salvos pelo presidente Sarney e que de vez em quando farreiam em Paris - eu me lembrei de dezenas de pançudos neste país que passeiam à tripa forra com depósitos nos bancos da Suíça.

No Brasil somente Fátima, de irradiante simpatia, está pagando o milho que muitos cabras vivem comendo, nas safadezas de que se compõe a República.

Fátima tem a minha e a simpatia de muita gente, num país engraçado em que os gorduchos banqueiros esfolam os necessitados e lucram milhões, de meia em meia hora. O erro de Fátima foi meter-se em negócio besta de contracheque no Piauí.


A. Tito Filho, 19/01/1989, Jornal O Dia

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