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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

COMENTÁRIO

Por mais otimista que o brasileiro seja, ou pretenda ser, não pode desconhecer que o país se encontra em postura pré-agônica. Os problemas multiplicam-se dia por dia. Campeia a violência. Vigora o assalto. Mata-se por vingança, por ambições contrariadas, ou na defesa de princípios ilegítimos. Dinheiros sem conta se gastam na aquisição de tóxicos. A cocaína tem circulação internacional. Os sanatórios se povoam de jovens viciadas, vítimas de banditismo em todos os países. Faliu a escola pública, substituída pelos balcões comerciais dos estabelecimentos particulares. Os professores perderam o status social. Falta-lhes preparo e equilíbrio. Têm nervos à flor da pele por virtude das dificuldades financeiras. Sepultam-se infelizes estudantes, decepcionados, desiludidos, de futuro incerto. As universidades fabricam doutores sem que se lhes conceda mercado de trabalho. O homem sem terra e sem teto do interior busca a cidade grande e acrescenta mais dificuldades aos centros urbanos, na constituição da estupidez das megalópoles. O trânsito apavora, suprime vidas, enlouquece motoristas e pedestres. As moradias desconfortáveis, espremidas, constitutivas de conjuntos habitacionais sem higiene, são fonte permanente de promiscuidade. Meninos suburbanos se alimentam de barro das ruas, à procura de suprir deficiências orgânicas. Ignorância generalizada. Analfabetismo envergonhante. Penitenciárias entupidas de toda espécie de criminosos e contraventores, em cubículos miseráveis, famintos, sem qualquer assistência espiritual, presos revoltados e sempre dispostos à reincidência. Fome e desemprego. Menores sem lar, sem afeto, escorraçados, educados para a delinqüência. Meninas adolescentes entregues à concupiscência de amorias, em bordéus de luxo, alunas de um sistema de televisão nocivo à dignidade de espécie humana, em que as TIETAS, de vergonhoso despudor, desvirginam os sobrinhos seminaristas, episódio revoltante, com que o Brasil se diverte, talvez, digno do espetáculo de sexo e luxúria. a esperteza, no país, tornou-se sinônimo de heroísmo. Quanto mais se rouba, mais se colhem aplausos. Triunfam os que enriquecem à custa de golpes bem dados. Os jornais acusam e ninguém se defende. Os ladrões de colarinho branco gozam de privilégios da impunidade. A criminosa especulação imobiliária aleija cidades e não tem freios. À sua custa nascem, crescem e se desenvolvem nababescas personalidades. As leis quase sempre têm endereço certo, assentam-se sobre irrecusáveis casuísmos. Não se respeita ao menos o aviltante salário mínimo dos que se empregam subordinados a regimes trabalhista, sonegado oficialmente e por profissionais liberais. Descumprem-se deveres legítimos. Professa-se a filosofia da malandragem. País do carnaval, da licenciosidade, da falta de discernimento. Violam-se direitos dos humildes. As filas nas ruas, em busca dos serviços públicos assistenciais, envergonham e humilham. Tornou-se vitoriosa a contravenção da jogatina. O próprio governo explora loterias, lotos, lotecas, senas, e até governantes já foram denunciados como sócios de jogo do bicho. Anuncia-se que algumas contribuições estaduais permitem o funcionamento dos cassinos, nos quais tudo se perde, inclusive a honra. Qual o setor deste país que funciona no cumprimento das suas finalidades? Talvez exista algum, embora seja difícil registrá-lo. Que dizer dos banqueiros privados e dos oficiais? Os juros andam em cinqüenta por cento ao mês, isto é, a usura atinge o sem-fim. E a inflação? E a monstruosa burocracia, a massa imensa com que o país, os estados e os municípios e as estatais gastam somas incaláveis? Num Brasil assim, só os ricos, os milionários, os empanzinados de lucros absurdos e desonestos, o soçaite fútil e dissipador, que afronta a pobreza de quase todos - só os ricos sobrevivem e gozam a vida, embora inseguros da própria inutilidade.


A. Tito Filho, 25/10/1989, Jornal O Dia

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