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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

QUEIMAÇÃO - I

Na manhã de 20 de setembro de 1988, pelas nove horas, Armando Basto me telefonou do Palácio de Karnak. Pedia que eu fizesse uma campanha a fim de despertar o interesse da comunidade na instalação de forno crematório em Teresina. O sujeito, antes de passar desta para vida pior, escolheria: ou terra nos peitos, ou queimação dos restos mortais respectivos. Caso o pobre diabo não pudesse manifestar a vontade, por ele falaria a família.

Prometi a Armando artigos sobre o assunto. De maneira do mesmo dia, Armando abotoou o paletó, entristecendo a comunidade.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, já se instalaram fornos para incineração de cadáveres, por meio da eletricidade, num calor de milhares de graus. Certa ocasião, ouvindo a respeito do assunto, assim se pronunciou Dom Vicente Scherer, chefe da Igreja Católica no rio Grande do Sul: "A cremação de cadáveres não se opõe a nenhum artigo da fé cristã. Com a mesma facilidade Deus ressuscita um morto incinerado pelo fogo como outro reduzido a pó pela lenta decomposição do sepulcro. Mas os sentimentos de afeição aos entes queridos, que a morte arrebatou, insinuam e recomendam o habitual uso do sepultamento que parece conservar de alguma maneira a presença amada dos parentes e amigos que partiam pela identificação e conservação do lugar em que jazem os seus restos mortais".

Conclui o alto dignitário eclesiástico: "No intuito de inculcar a preferência pelo modo de sepultamento consagrado pela tradição milenar e recomendando pelo simbolismo de sua dignificação, o decreto do Vaticano, proíbe que a cerimônia de encomendação dos corpos, que são cremados, se faça no próprio lugar da incineração e não permite o acompanhamento do sacerdote celebrante no exercício da função até o forno crematório. Se alguém, portanto, tiver razões ou gosto para determinar a incineração do seu corpo, tem o direito de fazê-lo, mas recomenda-se o enterramento tradicional que melhor corresponde a laços afetivos que se estendem além da data do falecimento e melhor exprimem verdades fundamentais da fé que iluminam a vida e transfigura a morte".

Todos atestam que a morte é o fim da vida - certamente. Ninguém dela se exime. A vida supõe a morte, logo esta passa a circunstância natural, episódio de simplicidade sem contraste. Por que, então, depois da morte, o ritual trágico, impressionante, do enterro - cerimônia lúgubre, de indescritível tristeza, adotada no Brasil? Escritor de fama confessou:

- Não tenho medo da morte, tenho medo do enterro.


A. Tito Filho, 22/04/1989, Jornal O Dia 

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